Resenha crítica: In the flesh
Caso você seja daquelas pessoas que costuma evitar tudo sobre zumbis achando que é tudo ficção científica idiota ou romance obscuro destinado a adolescentes, cuidado: você pode se surpreender!
Falarei sobre "In the Flesh", uma minissérie de duas temporadas (a 1a tem apenas três episódios) da BBC América e que apesar de ser de 2013, só tive o prazer de descobrir recentemente, fuçando o pacote Claro TV que eu tenho. E à procura de alguma surpresa, eis que encontro uma produção que dá a chance de descobrir o quão bem escritos alguns desses programas de temática zumbi podem ser.
Fãs de séries como "The Walking Dead" devem saber que o gênero em questão não é o melhor para quem curte comer carne. É sobre pessoas e "não pessoas" que enfrentam desafios e decisões que ressoam no mundo real.
"In the flesh" pode ter cadáveres de olhos vazios, mas é muito mais que isso, é sobre tolerância, discriminação, relações familiares, sobre enfrentamentos, questionamentos e sobretudo, perdão.
A história se passa na Grã-Bretanha, onde algum tempo antes do início da série, muitas pessoas mortas saíram de seus túmulos, causando estragos e uma forte reação popular antizumbi. Mas estes seres -que sofrem da síndrome do Falecimento Parcial SFV, como foi rotulado - caíram na proteção do governo, que estabeleceu leis para assegurar seus cuidados e proteção como cidadãos vulneráveis, com alguns direitos resguardados.
Com a ajuda de medicamentos experimentais, eles estão sendo reintroduzidos na sociedade, de volta ao convívio familiar após apresentarem evolução significativa de seus quadros patológicos. Para isso, é necessário tomar a medição diariamente ou passam a regredir como um hidrofobico raivoso.
O nosso protagonista aqui é um adolescente um tanto depressivo chamado Kieren (Luke Newberry), que reside numa vila chamada Roarton, repleta de pessoas fervorosamente preconceituosas e antizumbis (podres).
Atormentado por memórias gráficas e remorso desde o momento em que ele sucumbiu aos seus desejos canibais, Kieren faz uso de seu remédio que suprime seu monstro interior. Isso permite seu retorno ao seio familiar nesta mesma comunidade hostil, governada pelo preconceito e pelo medo desses seres humanos reformados.
"In the flesh" ou "na carne", como seria o título se fosse passado para o Português, fica mesmo sob a pele enquanto ela explora o que é ser outro, o que para Kieren também significa aceitar como foi a sua morte, quatro anos antes. Essa jornada mais espiritual ressuscita seus sentimentos não resolvidos por seu melhor amigo e grande companheiro, Rick (David Walmsley), que foi morto no Exército. A história silenciosamente convincente ganha força quando Rick também retorna para casa - para um pai rude que lidera a violenta cruzada anti-zumbi local e está em profunda negação sobre a verdadeira natureza de seu filho que agora mais parece o Frankenstein.
Um exército miliciano foi formado durante esse primeiro "renascimento" para patrulhar e caçar estes seres, e poucos são os moradores que acolhem o retorno deles ali.
O fundador deste exército miliciano é justamente Bill (Steve Evets), o pai de Rick.
Já Kieren possui o amor de seus pais, mas enfrenta resistência com sua irmã caçula que ele tanto estima, (Harriet Cains) que é uma membro deste exército, uma soldado entusiasmada.
Bill tem uma animosidade particular em relação a Kieren que antecede ao levante daquela vila, mas logo é forçado a questionar o ódio que o alimenta.
Assistir "In the flesh" é ficar consternada com a quantidade de precedentes do mundo real que a história possui. A lista de pessoas que foram estigmatizadas, criticadas e rotuladas, na sociedade, de modo explícito ou velado, como sendo menos humano é longa e podemos citar os negros, os judeus, os estrangeiros, os LGBTs, pessoas portadoras de determinadas deficiências, ou de patologias como a hanseníase (lepra), ou mesmo o HIV, e sim, por que não zumbis, de modo não obstante, e a série muito atraente, criada e escrita por Dominic Mitchell, trabalha esse território com muita credibilidade quanto qualquer outro drama convencional.
Há mais? Sim, há muito mais a descobrir mergulhado "na carne", como resistência e superação, reflexões entre a morte e a vida, e seus fundamentos. Reparem que utlizei a expressão morte-vida propositalmente, pois nesse caso, a morte é a precursora de uma nova vida que se inicia a partir dela. Muitos vivos vivem como mortos, enterrados em seu cotidiano comodistas, e os mortos revolucionam com a ruptura dessa situação, induzindo a um despertar que de um modo ou de outro, todos precisam lidar.
Eu não poderia deixar de mencionar a trilha sonora da série que foi outra grata surpresa. Canções de Keaton Henson e o clássico. "Back for Good", de Take That, dão ainda mais vida à produção.
Dica dada, curte e fala.
Ficha Técnica:
In the Flesh
Seriado de TV,
Drama/terror
Produzida pela BBC America
Por Dominic Mitchell