Tartarugas podem voar, de Bahman Ghobadi

Tartarugas podem voar, de Bahman Ghobadi

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

É triste. É muito triste. Ambientado na fronteira entre Iraque e Turquia, no momento que antecede a invasão norte-americana, “Tartarugas podem voar” retrata crianças que são massacradas pelos horrores da guerra. Os atores vivem em zonas de refugiados. As interpretações são sublimes, certamente porque o enredo e o clima do filme não se distanciam da dura realidade vivida nestas regiões de miséria, de insegurança e de falta de esperança.

Crianças procuram minas explosivas que são vendidas no mercado, e revendidas para as autoridades da ONU. Crianças mutiladas desfilam pelo filme, a exemplo de Hengov, protagonizado por um menino chamado Hiresh Rahman, que perdeu os braços com os explosivos. Hengov tem uma irmã, Agrin, protagonizada por uma menina de nome Avaz Latif, que vive atormentada pelas violências que sofreu, e que ainda deve cuidar de uma criança cega e cheia de carências, que não aparenta ter mais de três anos de idade. Há também outro personagem fascinante, Satélite, protagonizado por Sonan Ebrahim, que instalava antenas de televisão.

O regime de Sadam Hussein, intui-se do filme, não permitia que as notícias chegassem no lugar. Antenas parabólicas que captavam sinais de outros países eram vendidas a peso de ouro. Produzido no Irã, em 2004, “Tartarugas podem voar” é um filme pessimista, no exato sentido de que o pessimismo é a constatação dos fatos, e não uma versão dos fatos da vida.

A complexa relação entre forma e conteúdo é resolvida nesse impressionante filme com atores que protagonizam a vida real à qual estão submetidos. O que muda, talvez, é a transformação episódica do cotidiano em um set de filmagem. O horror não é mostrado por uma lente que faz uma mimese cosmética da realidade. É a realidade, em forma de horror, que afasta qualquer forma cosmética de representação do real. É chocante.

Perdidas num mundo cruel, as crianças do filme simbolizam todas as crianças do mundo, violentadas por pessoas cruéis, que simplesmente se esqueceram que um dia foram crianças também.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 03/04/2020
Reeditado em 03/04/2020
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