Décimo quarto dia
"A quarentena de um poeta"
Décimo quarto dia:
Um domingo especial estava para acontecer. O amanhecer surgiu com o sorriso lindo de Alice vindo em minha direção a comemorar os quatorze dias de nossa separação. Aproximei-me de sua face e a toquei levemente para logo beijá-la como da primeira vez.
A querer besuntá-la com o seu batom, a ter a sua bocarra na minha boca fechada como o pão que sai da primeira fornalha
no fim da madrugada.
Quis o café da manhã na mesma cama, o chuvisco das águas mornas no mesmo lugar e a toalha gigante a nos secar no instante que retornava a beijá-la.
E outras vez desejei me lambuzar de beijos
e mais beijos, beijos e mais.
Separei esse dia somente para nós dois.
Desatei-me do que me assolara e me convenci que tínhamos que viver o momento:
E se não houver o amanhã?
Não apresses o amanhã
Viva o hoje tão descomedidamente
Para que o ontem deixe saudades
Da quantidade de prazer
Tolere os alaridos da madrugada
Para que o som do começar do dia
Seja o de uma sinfonia de amor
A vir dos bichos de seda
Não retenha o suor da vontade
Conceda seus braços
Desabroche as flores
Com o calor de seus abraços
Viva com veemência a cada instante ...
Uma poetisa no dia anterior havia me incentivado a esquecer a dor e em seus cantos ela
me dizia que a poesia traz em si a certeza que tudo passa.
À tade comemos pastéis no café, assistimos um filme e voltamos no tempo a nos recordar dos nossos micos, causos como o da dentadura que voou pela janela no meio da Rio-Santos a caminho do Parque Mambucaba onde Maria me aguardava desde cedo e somente à noite, o desdentado ser surgiu a contar sua aventura que começou no Bob'S de Nova Iguaçu que me serviu um milkshake de morango de setecentos ml, a passar pelas duas latinhas de cervejas na Rodoviária até chegar na ladeira asfaltada do bairro de Japuíba em Angra dos Reis que recebera meus dentes postiços após o enjoo da viagem.
E quando chegou o anoitecer eu tapei meus ouvidos para o mundo e voltei mais uma vez no tempo em que éramos adoráveis vagabundos:
Madrugada fria, noite nua, sem lua
Na rua e sob a marquise do bar
A reprise do som da tropicália
Nas vozes dos adoráveis vagabundos
Só havia balas de mascar
Beijos perdidos no ar
A cultura a vencer a censura
E o flagra da mistura samba
Toca na cabeça e cachecol
A hegemonia no futebol
Pouca gente, pouco trabalho
E uma enchente de rebeldia
E na gandaia o balão a cair
Marcava o encontro desta geração
Nesta, Brotos e carangos
Eram mais belos que a nação