O Poço

Lançado em um momento tão caótico pelo qual estamos passando, o filme O poço, da Netflix, nos leva a questionar mais do que nunca sobre nossa postura quanto à nossa posição na sociedade. Afinal, o instinto humano é tão instável a ponto de agirmos como animais em situações adversas ou agir com racionalidade em prol do bem estar geral, assim como Trimagazi e Goreng,, respectivamente no longa.

Ao lado dessa grande mensagem, outras pequenas reflexões são feitas na trama. Primeiramente, a ideia de usar uma prisão dividida por níveis nos mostra como estamos presos em nossas concepções, fechados em si mesmos, alheios ao que acontece no mundo “lá fora” ou a quem está abaixo de nós, cada um no seu quadrado, literalmente.

A comida que é servida aos presos através de uma plataforma simboliza os serviços prestados a sociedade e que na teoria todos têm direito. Porém, o sistema, representado pela personagem Imoguiri, parece desconhecer a realidade da situação tentando convencer aos demais, sobre seus direitos e deveres, a comerem apenas o necessário e repassarem a mesma atitude. Mas Imoguiri, a princípio, ignora que a mudança deve começar pelos que estão em cima também, e estando com câncer (sistema doente) não dura muito tempo.

Goreng pode ser visto como um revolucionário, algumas vezes radical quando por exemplo ameaça defecar na comida dos presos debaixo caso não sigam o bom senso de Imoguiri. Mas ainda assim ele é uma figura que transmuta no processo de “quebra da roda”, pois ao entrar no poço leva consigo um livro, e não é qualquer livro. Dom Quixote é um idealista romântico, mesma postura adotada por Goreng no início do filme, até que percebe de fato que “a mudança não é espontânea”. Referente ao livro, o filme ainda coloca uma pitada de dose bíblica quando Goreng come algumas páginas mostrando que nem só de pão vive o homem.

Outros problemas sociais são abordados, como a tentativa do negro de ascender na sociedade, quando o personagem Baharat tenta escalar pra fora do poço. Os gastos desnecessários, quando em uma cena um preso joga muito dinheiro ao léu após receber um pedaço de carne. Gastamos muito e nos contentamos com pouco.

Temos ainda a figura da criança desconhecida por todos (até pelo próprio sistema), que estava escondida no último nível do poço. A tabula rasa. A inocência, a pureza, intocada pelo desejo, pela ganância, pelo desespero, pela descompaixão.

O filme está longe de inovar na temática e no conceito, já que ano passado mesmo tivemos Escape Room que também aborda a questão de pensar em si ou no coletivo. Mas as ideias usadas no longa, as cenas chocantes, a complexidade psicológica e o enredo angustiante nos fazem refletir bem sobre nossa posição atual e que atitudes tomaríamos em condições melhores ou piores.