Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder

Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Billy Wilder (1906-2002) nasceu na Áustria e emigrou para os Estados Unidos no tempo da guerra. Notabilizou-se como um dos mais criativos diretores de Hollywood. Entre seus filmes, “Crepúsculo dos Deuses”, no original “Sunset Boulevard”, lançado em 1950. Um filme sobre Hollywood que toca profundamente na psicologia dos ícones da indústria cultural. Explora o drama do esquecimento das grandes estrelas, sob a perspectiva da estrela, e de seus fiéis seguidores. “Crepúsculo dos Deuses” problematiza o pior tipo de morte que pode ocorrer a uma celebridade, isto é, a que deriva do completo abandono dos fãs. É a história de Norma Desdmond, protagonizada por Gloria Swanson. E que papel, que lhe valeu elogiadíssima indicação ao Oscar. Merecia.

O núcleo da narrativa é o desespero de uma atriz que não se encaixava mais nos novos tempos. A personagem central (Norma) fora famosíssima no cinema mudo. No entanto, estava completamente esquecida pela nova era do cinema falado. “O cantor de jazz”, de 1927, foi o filme que fixou o ponto de mudança. Poucas figuras do cinema-mudo sobreviveram. Cecil B. de Mille e Charlie Chaplin, por exemplo, relutaram, mas mantiveram-se no topo. Norma Desdmond simboliza os que não se adaptaram. Eram artistas de expressão facial. Muitos não tinham vozes interessantes. Alguns outros não decoravam as falas. Uma outra época. Não havia mais espaço.

O enredo de “Crepúsculo dos Deuses” é de tirar o fôlego. Um roteirista fracassado (protagonizado por William Holden), fugindo dos credores, acidentalmente encontra-se na decadente mansão da não menos decadente atriz. Ela o emprega na esperança de que alguns textos que ela havia escrito seriam ajustados. Na mansão, o mordomo, Max, que ao fim do filme, quando revela sua história, deixa o espectador estonteado. Norma apaixona-se pelo jovem e charmoso roteirista, cuja atenção é toda dirigida para uma jovem, que aspirava ser roteirista também. A tensão desse filme inquietante desdobra-se nesse quadrilátero humano: Norma, o roteirista, o mordomo e a aspirante a roteirista.

A mansão localiza-se na Sunset Boulevard, número 10.086. É a principal via de Hollywood, o que explica o título original do filme. Em P&B, ainda que de 1950, quando já se filmava em cores, “Crepúsculo dos Deuses” retoma (no original) o ambiente energizante dos Estados Unidos, no ambiente otimista de recuperação da guerra que se encerrou em 1945. É um filme da Paramount Pictures, que fala da própria Paramount, com sequências encantadoras e nostálgicas desse famoso estúdio.

Norma vê um mundo que ninguém enxerga mais. Afirmou que o cinema falado apequenou a beleza do cinema. Não compreendia que perdera a fama. Houve épocas que recebia 17 mil cartas por semana. O mordomo conta que um marajá havia pago uma fortuna nas meias de seda de Norma para enforcar-se com a reminiscência da atriz. O mordomo também conta que se subornavam cabelereiros para que vendessem mexas do cabelo de Norma. Na mansão só havia fotos da atriz, que assistia os próprios filmes. Um deles, verdadeiro, dirigido pelo mordomo, ainda que a informação não seja dada nos diálogos. Norma joga cartas com vultos do cinema mudo, a exemplo do comediante Buster Keaton.

Norma era melancólica. Não havia fechaduras nas portas da mansão porque ela havia tentado o suicídio algumas vezes. Dançava ao som de uma orquestra de tango, em um piso de cerâmica, sugerido por Rodolfo Valentino. Acreditava em horóscopos. Usava uma piteira de museu, que enaltecia sua rebeldia fumígera. Procurada por Hollywood, divagava, imaginando-se cogitada para novos papeis. Engano. Queriam alugar seu calhambeque para um filme de época.

“Crepúsculo dos Deuses” é um enredo contido em outro enredo. O narrador é encontrado morto logo na primeira cena, e mesmo assim conduz toda a narrativa, cuja lógica é inquebrantável. Lembra que estrelas não brilham para sempre. Essa metáfora explica a rapidez da fama, a fragilidade dos laços, o ofuscante círculo de interesses e a definitiva lição que nos dá conta que devemos ter humildade para entender que somos sempre bem menores do que nos vemos. “Crepúsculo dos Deuses” é uma ilustração do Eclesiastes 1 em forma de esperanto visual: tudo é vaidade...

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 24/03/2020
Reeditado em 24/03/2020
Código do texto: T6895803
Classificação de conteúdo: seguro