Jovens Polacas, de Alex Levy-Heller

Jovens Polacas, de Alex Levy-Heller

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

O espaço dramático de “Jovens Polacas” transita entre o registro histórico, a impressão de documentário e o relato de experiência. O núcleo da narrativa é verídico. Prostitutas judias de várias nacionalidades (russas, polonesas) seduzidas e exploradas por cafetões judeus chegaram ao Brasil ao longo da República Velha. Eram escravas brancas, como são referidas nesse bem-comportado filme de Alex Levy-Heller. O roteiro foi construído a partir do livro de Ester Largman, respeitada autora brasileira de romances históricos. “Jovens Polacas” é um deles, e contém fortíssima inspiração em assuntos judaicos.

O filme se desdobra em idas e vindas, com reminiscências de Mira (protagonizada por Jacqueline Laurence). Mira é filha de uma daquelas escravas brancas. Registra suas memórias para Ricardo (Emílio Orciolo Neto), que redige uma tese de doutorado. Para conseguir informações, não revela exatamente o que pesquisa. Para alguns, diz estudar a imigração judaica no Brasil. Para outros, explica que estuda a trajetória das prostitutas judaicas. Nas primeiras cenas, Ricardo conduz as conversas como se fosse um analista. Mira expõe as memórias de infância e revive vários bloqueios: não consegue se lembrar do rosto da mãe. O plano das memórias de Mina é filmado no plano plongé ou contra-picado, no qual capta-se a visão da personagem, percebida abaixo da linha da ação. Tem-se a visão de uma criança, inserida em um mundo de adultos. Dolorido.

Exploração e violência de gênero dão o tom ao filme. Há cenas angustiantes. Mira diz que havia perdido a capacidade de se indignar. Chamava de “tias” as companheiras da mãe. Criada por uma família judaica, Mira sofria com as memórias de uma parte da infância. Admitia, inclusive, que nada do que se lembrava contava com alguma relevância.

Situado entre documentário e ficção, justamente porque baseado em um romance histórico, “Jovens Polacas” alcança a proposta temática. Atinge o espectador, que fica indignado com essa triste reminiscência histórica. Aconteceu. Hostilizadas pela comunidade judaica tradicional (eram tidas como judias de segunda classe), foram enterradas em cemitério próprio, localizado no bairro do Inhaúma, na zona norte do Rio de Janeiro, tombado pela prefeitura, e conhecido como o “cemitério das polacas”. A cena da visita de Mira a esse cemitério, com a câmara captando as fotos nos túmulos é chocante. O universo próprio do filme reverbera na indignação que persiste no tempo. A experiência estética e emocional que “Jovens Polacas” provoca é impactante.

Os créditos (ao fim) são exibidos com imagens de época, tomadas no local onde os fatos teriam efetivamente ocorrido, o que reforça a verossimilhança entre a narrativa e o fato histórico que a sustenta. O espectador transcende à camada aparente do filme, compartilhando a dor e a humilhação daquelas mulheres.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 12/03/2020
Reeditado em 12/03/2020
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