Às Cinco Da Tarde, de Samira Makhmalbaf

Às Cinco Da Tarde, de Samira Makhmalbaf

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Com argumento pesadíssimo centrado na ocupação norte-americana no Afeganistão, este filme iraniano nos releva inusitados aspectos da condição feminina no Oriente Médio. É um tema complicado, que não pode ser discutido e resolvido com base em simplificações. A fotografia é encantadora, o jogo de cores de algum modo reforça o exotismo, ainda que vivido em uma região destruída. Mesmo em ruínas, há um charme que se enfatiza, no meio de tanta dor e sofrimento. A sequência dos planos do filme realça esse sentimento.

Dirigido por uma mulher, Samira Makhmalbat, “Às cinco da tarde” tem como personagem principal Nogreh, interpretada por Asheleh Rezail. Nogreh quer ser educada numa escola laica e defende a democratização do Afeganistão, seguindo o modelo ocidental. Sonha em ser presidente. Pressionada pelo pai, fundamentalista, vai aos poucos cedendo à dura realidade de Kabul, destruída após quase um quarto de século de guerras. Os afegãos combateram os russos e depois os norte-americanos. Enfrentaram os dois lados da guerra fria. E sobreviveram.

Há uma cena de enterro de uma criança que é absolutamente perturbante. Como tenebrosa também é a concepção imaginária de uma Kabul decaída. A cidade foi destruída, no entendimento dos radicais, porque se afastou da ortodoxia religiosa. O pai de Nogreh é o exemplo mais bem acabado da defesa desta ideia.

O conflito entre o fundamentalismo ou a ortodoxia em face de um secularismo mais recente parece ser recorrente no cinema asiático, especialmente no ambiente de predomínio muçulmano. Cativa a forma respeitosa como as linhas do secularismo dialogam com o tradicionalismo. Tem-se a impressão que o combate ao radicalismo, pelos mais modernos, parece se dar no contexto de um enfrentamento cauteloso. Bem entendido, na visão de um ocidental, que desconheço os pormenores das relações religiosas em um ambiente cultural ao qual sou estranho. Esse é um desafio, que recomenda que conheçamos esse tipo de cinema.

A diretora é jovem, nasceu em 1977, em Teerã, e seu pai é também cineasta. O filme é mais um libelo contra as incompreensões e desacertos de nosso tempo. Dirigido por uma cineasta jovem, o filme comprova-nos que bom senso e percepção de história não são características apenas dos idosos e experientes. Viceja também entre os mais jovens, que contam com o benefício da ousadia.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 10/03/2020
Reeditado em 10/03/2020
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