Chega de saudade, de Lais Bodansky

Chega de saudade, de Lais Bodansky

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Lembro-me de ter lido em algum lugar que “brega” seria expressão derivada de esquina em São Paulo, na Rua Manoel da Nóbrega, cuja placa fora quebrada num acidente. Parte da placa caiu. Sobrou um pedacinho escrito “brega”, e assim passaram a chamar um bar que se localizava justamente naquela esquina. Frequentadores, estilo de música, modo de ser, e de se vestir, que marcavam o local, por extensão, foram chamados de “brega”. Será que a informação procede?

Essa realidade brega, interessantíssima, rica em maneirismos, é descrita no filme “Chega de Saudade”, dirigido competentemente por Lais Bodansky. O núcleo do roteiro é um baile no qual desfilam e dançam e se divertem pessoas da vida real, envelhecidas, ensandecidas, enciumadas, estimuladas e desencontradas, num encontro que é tão comum na nossa mesmice classomediana. Quem não gosta de um bailinho desses?

Betty Faria protagoniza a eterna carente. Tônia Carrero a mulher presente, que deixa de dançar com o dançarino argentino para fazer companhia para a eterna paixão que com a perna quebrada naquela noite não podia bailar. Cassia Kiss é a mulher satisfeita, mesmo enganada, porque se achava menos barro, e mais sopro e alma. É o papo-cabeça no meio dos fãs de telenovela. É a leitora dos livros de autoajuda, que dizem a mesma coisa, para as mesmas pessoas. Stepan Nercessian protagoniza o senhor de meia idade que encanta a mocinha, cujo namorado enganadamente apaixonado não percebia que a perdia, simplesmente por falta de encantos, e de opções: não conseguia oferecer atenção que todos queremos, e que bem pouco temos.

Elza Soares, a “crooner” da banda, parece que tomou a pílula da juventude, mostrando alquimia que desafia o tempo. A trilha sonora provoca tremenda vontade de dançar. Quem assistiu pornochanchadas na década de 1970 encontrará uma Selma Egrei envelhecida, mas ainda exuberantemente linda, ainda que por poucos segundos. Em “Chega de Saudades” nos lembramos que somos humanos, porque no filme tudo é humano, demasiadamente humano. E encantadoramente brega. Breguíssimo, no que essa curiosa expressão tem de mais sensível. Uma delícia de filme.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 03/03/2020
Reeditado em 03/03/2020
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