O edifício Yacoubian, de Marwan Hamed

O edifício Yacoubian, de Marwan Hamed

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Não se impressione com um filme sobre o Egito no qual hão há faraós, pirâmides, tumbas saqueadas e camelos desfilando no deserto. Em “O edifício Yacoubian” o espectador não visita essa imagem recorrente do Egito heroico, cujo exotismo é uma das peças-chave do orientalismo (tese do intelectual palestino Edward Said). O oriente é de algum modo uma invenção do ocidente. Nesse sentido, o Egito para alguns parece ser apenas um fragmento extravagante de uma terra esquisita, que relutamos a compreender. Imagem falsa.

Em “O edifício Yacoubian” é o Egito contemporâneo que o diretor Marwaan Hamad nos apresenta, a partir de um romance de Alaa Al Aswany. O filme desdobra-se nos conflitos dos moradores de um edifício decadente localizado na zona central da cidade do Cairo. Uma sociedade urbana secularizada é representada. Os moradores do edifício convivem com todos os problemas que moradores de qualquer vida urbana presentemente enfrentamos. Há uma universalidade na condução temática. Não é necessário que se saiba árabe, ou que se tenha conhecimento de cultura muçulmana ou que se tome partido no “choque de civilizações” para se entender o enredo.

O prédio, que um dia fora charmoso, glorioso, glamoroso, e que no contexto do filme mostra-se decadente, parece ser a representação simbólica do próprio Egito. Os personagens vivem alguns dilemas da sociedade egípcia contemporânea. Política, corrupção, sexo, são os temas destilados neste filme ao mesmo tempo encantador e perturbador.

Adel Iman (o decadente Paxá) foi premiado como melhor ator no Festival Internacional de São Paulo (em 2006). Vale a pena conferir também a atuação de Hend Sabri, jovem atriz tunisiana (Hend nasceu em 1979), no papel da fascinante Bothayna. “O edifício Yacoubian” mostra-nos uma sociedade dividida entre valores ocidentais e orientais, contemporâneos e arcaicos, laicos e fundamentalistas. Um dilema que marca as sociedades do imaginário espaço geográfico e cultural do crescente, no qual o Egito desponta por um passado que se recusa a ceder a um presente cheio de desafios. Cautela. Não é um filme sobre o Egito. É um filme egípcio. A diferença justifica que se confira.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 28/02/2020
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