O segredo de Berlim, de Steven Soderbergh

O segredo de Berlim, de Steven Soderbergh

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Passados setenta e cinco anos do término da segunda guerra mundial tem-se a impressão que os horrores do conflito ainda sustentam tematicamente a indústria do cinema, dentro e além de Hollywood. “Roma, cidade aberta” (Rosselini), “Fomos os sacrificados” (John Ford), “As areias de Iwo Jima” (Dwan), “Raposa do deserto” (Hathaway), “A um passo da eternidade” (Zinnermann), “A Ponte do rio Kwai” (Lean), “Os canhões de Navarone” (Thompson), “Os doze condenados” (Aldrich), tem-se uma extensa lista, com estações em “A Lista de Schindler” (Spielberg) e até em “A vida é bela” (Bennini). A segunda guerra é provavelmente o tema mais recorrentemente levado às telas. “Casablanca” (Curtis) é um ícone, um padrão um ponto permanente de referência.

Filmado em preto e branco, com cenas e diálogos que lembram Casablanca, e não muito menos eletrizante, “O Segredo de Berlim” é prova definitiva de que cada tempo tem seu contexto e de que cada época conta sua própria história. A partir de um inusitado reencontro de amantes - - a anti-heroína vivia aventura extraconjugal - - o diretor Steven Soderbergh fixou um quadro realista da luta pelo privilégio de escrever a história da guerra, inclusive com o benefício do esquecimento das lembranças incômodas.

E se cada época tem sua história, porque a história é certamente muito mais uma representação do presente, cada protagonista também tem seu lado da narrativa. A reconstrução da Alemanha, um tema que mistura culpa, ideologia, remorso, desespero e desencanto, é também um central no conflito de 39-45. Esse o núcleo temático de “O Segredo de Berlim”.

No pano de fundo desta muito bem engendrada trama americanos e russos disputam uma nova guerra: lutam pela posse dos despojos da memória inoportuna dos vencidos. O Segredo de Berlim nos evoca que a história pode ser muito menos do que o relato do que ocorreu, e muito mais o resultado de nossas visões de mundo. Imperdível.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 28/02/2020
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