Garota Exemplar, de David Fincher
Garota Exemplar, de David Fincher
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Um casal perfeito. Jovens, apaixonados, vivendo no glamoroso mundo de editores e escritores. Ele é do Missouri. Ela é novaiorquina. Inventada e explorada como personagem pelos pais, foi na infância e adolescência tema para livros infantis. Exemplar. O que de mal pode ocorrer? Tudo. É esse o ponto de partida de “Garota Exemplar”, dirigido por David Fincher, lançado em 2014, protagonizado pelo californiano Bem Affeck (é o marido, Nick Dunne) e pela inglesa Rosamund Pike (a esposa, Amy Dunne). Meu filho – Bernardo - me disse que Bem Affeck foi o Batman na última versão blockbuster.
Desempregados pela recessão, vão viver no interior junto à família de Nick. O pai está internado sofrendo de Alzheimer. A mãe acaba de falecer de câncer. Há também uma irmã gêmea, que exige atenção do expectador. O passado de Amy revela problemas e pode indicar personalidade sofrida. Deve-se também levar em conta sua relação com os pais. Nick pode indicar o que pode ocorrer quando o casamento perde o sentido, e quando se desconfia da integridade do outro. Amy e Nick são diferentes, tem origens diferentes, famílias diferentes. Até que ponto é possível um futuro comum? Quando e por que surge a indiferença? E quando a indiferença se transforma no ódio?
Nick lança pergunta no início do filme, que parece ser questão circular em todas as relações afetivas. Tem-se vontade de abrir da cabeça do outro, perguntando-se: no que está pensando? Como está se sentindo? O que fizemos um do outro? Essa última pergunta, especialmente, é o ponto final da linha. É o reconhecimento de que não há mais caminho algum a seguir. A insistência, no limite, desdobra-se no que ocorreu com Nick e Amy. A base do enredo é a desaparecimento de Amy e a tragédia que segue.
Chama a atenção o modo como a imprensa trata a questão. Tem-se uma absoluta loucura midiática, com programas de televisão explorando o drama do casal. Mostra-se como a opinião pública é pautada por matérias cujo único objetivo é a explosão da audiência. Fato comum na vida midiática norte-americana, tem-se no caso O. J. Simpson o exemplo mais emblemático. O marido é o assassino? Um dos velhos temas do direito criminal brasileiro, cujo caso Doca Street (que assassinou Ângela Diniz na década de 1970) foi uma linha divisora: quem ama mata?
“Garota Exemplar” é um chocante thriller que mistura drama, detetives e comédia romântica ao contrário. Explora até onde pode ir a mente humana, os limites entre a bondade e a maldade, a confiança recíproca, a dissimulação, a manipulação do outro, o papel da imprensa na tipificação de vilões e heróis. É filme sobre tema universal: a servidão humana. Indica-nos como um ato de amor e confiança sempre corre o risco e se tornar insuspeita fonte de infelicidade. E há quem goste. Ou que não tenha outra opção. É que muitas vezes o amor ainda respira, quando já está morto.
“Garota Exemplar” oferece ao expectador atento uma pista para esse problema. Além, naturalmente, de um “case” para a psicopatologia da alma humana.