Adoráveis Mulheres, de Greta Gerwig

Adoráveis Mulheres, de Greta Gerwig

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

O casamento é um contrato de natureza econômica ou um pacto fundado no amor? O casamento é condição para a sobrevivência de uma mulher ou opção contingente para a realização de um sonho baseado na paixão? Essas questões, colocadas em livro de Louisa May Alcott, em 1868, foram retomadas na última versão cinematográfica de “Little Women”, dirigida por Greta Gerwig, jovem cineasta norte-americana (nasceu em 1983). Parece-me que as respostas que seriam dadas a essas questões na época do lançamento do livro (1868) não seriam as mesmas de nosso tempo presente, ou, ainda, as questões foram mal propostas e não sugerem respostas fáceis. Boa notícia.

No Brasil optou-se por traduzir “Little Women” por “Adoráveis Mulheres”. No título original do livro, e das versões cinematográficas que se montaram, manteve-se o original: “Little Women”. Não há sentido pejorativo, no sentido de que haveria uma apequenamento da condição feminina. A escolha, acredito, explicita mulheres que vivem em condições normais, nada glamorosas, onde não há espaço para heroísmos imaginários. Mulheres são heroínas, e para isso não é necessário que salvem o mundo. São mulheres da vida cotidiana. A alternativa que adotamos, “Adoráveis Mulheres” talvez adjetive uma situação, que escritora e diretora não tivessem em mente. Acertou-se, por outro lado, porque, de fato, as seis mulheres centrais do enredo são realmente adoráveis.

O enredo desdobra-se no contexto de quatro irmãs (Jo, Amy, Meg e Beth). Uma delas é escritora talentosa (Jo), outra percebe-se como pintora promissora (Amy), uma outra é pianista (Beth). Apenas Meg parece ser o lugar comum e o casamento com o professor sem recursos é prova dessa mesmice. Meg sonhava com a casa, com a família, com os filhos, com a existência pacata. A mãe das encantadoras meninas é a gerente-minuto que coordena a casa como uma unidade produtora. Caridosa, preocupada com a penúria econômica de uma família vizinha, encarna todas as virtudes femininas, como imaginadas em fins do século XIX.

Ah! O espectador ganha um prêmio do produtor do filme. A tia, nada menos do que Maryl Streep, protagonizando aquela tia chata, sovina, solteirona, implicante e permanentemente irritada, que muitos de nós temos. Uma impressionante galeria feminina. Efetivamente, são mulheres adoráveis, com todos excessos, idiossincrasias, clichês e ousadias que o assunto provoca.

A narrativa desdobra-se ao longo da guerra civil norte-americana. As personagens vivem no norte dos Estados Unidos. Há cenas em Massachusetts (Concord) e em Nova Iorque. As filmagens não alcançam o campo de batalha, porém há referências ao pai ausente, a ferimentos, a mortes, bem como uma permanente linha de defesa da abolição e da opção pelos mais humildes. A autora do livro (Alcott, que nasceu em 1832 e faleceu em 1888) era uma abolicionista convicta. Criada em um lar liberal, seu pai era amigo de Henry David Thoreau e de Ralph Waldo Emerson), Alcott é uma das figuras mais importantes no pensamento progressista norte-americano.

O roteiro do filme é bem engendrado, especialmente porque rodado em flash-backs. Não se tem uma narrativa linear e compreensiva na linha do tempo. É esse, penso, seu aspecto mais charmoso, além da fotografia e dos figurinos: impecáveis. O inglês falado é de época, com menções a particularidades da vida norte-americana, a exemplo de uma referência a “ginger-bread”, que se traduziu por “pão-de-mel”.

A condição feminina é o tema central do filme (e do livro) ainda que o assunto seja conduzido de modo açucarado e por vezes com muita pieguice. A estética romântica é mais piegas do que trágica, quando percebida hoje, ainda que trágica e nada piegas, quando percebida por seus contemporâneos. Há a cilada do anacronismo, que precisamos vencer.

A estrutura da narrativa é intrigante. O enredo pode ser nada, e nada pode ter acontecido. Será que a história teria realmente ocorrido? Afinal, a história real, como concebida no livro, é a história de uma escritora e de um romance. O editor determinou o final. O livro só venderia se a protagonista principal se casasse, ou morresse. Uma das opções foi tomada, como se vê na cena do guarda-chuva, cheia de ternura.

Entre os espectadores do filme, minha filha Marina, de 11 anos. Eu, preocupado com o fato de que ela não pudesse ter entendido a sequência, a história e o enredo, perguntei o que havia achado. Respondeu-me: adorei! Melhor recomendação para esse fascinante filme não há.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 13/01/2020
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