Conspiração (Qui sème le vent, 2011, França). Diretor: Frédéric Garson. Estrelando: Laurent Lucas e Natacha Régnier.
Ninguém encontrará, neste filme de Frédéric Garson, cenas de perseguição de carros e de motos, e de lutas mirabolantes, e de explosões, todas de inspiração hollywoodianas, cenas que desrespeitam as leis da física e as do bom-senso. Não assistirá a lutas que se estendem por cinco, dez minutos, os protagonistas a se baterem, a se socarem, a se estapearem, a arremessarem uns contra os outros todos os objetos que encontram à mão, e tampouco a baterem a cabeça, testa contra testa, como se fosse este um ato sensato, inteligente, o golpe mais eficiente que durante uma luta uma pessoa pode desferir contra o seu oponente, derrubando-o, e conservando-se ilesa. E tampouco cenas em que os criminosos disparam rajadas de metralhadoras contra o carro, que o herói do filme dirige, transformando-o em queijo suíço, e do qual o herói, retirando-se sem um arranhão, com um tiro certeiro alveja o criminoso, matando-o.
Narra o filme uma sofisticada trama de política internacional, que envolve representantes dos governos da França, da China e do Níger, e os de uma empresa de exploração de urânio e os de uma ong ambientalista.
São sequestrados, no Níger, país situado no norte da África, outrora colônia francesa, dois pesquisadores de uma ong ambientalista, Jean-Michel (Frédéric Pierrot) e Coralie (Johanna Bah), que examinam o solo à procura de elementos que lhes sustentem a tese que defendiam: a de que a exploração de urânio poluía a região. E não se sabe quem são os sequestradores.
Hugo Geoffrey (Laurent Lucas), coadjuvado por Hèléne Morange (Natacha Régnier), ele, o policial francês encarregado da investigação e negociação com os sequestradores de Jean-Michel e Coralie, ela, representante da ong ambientalista para a qual trabalham os dois pesquisadores sequestrados, envolvem-se, entre tapas e beijos, e olhares de repulsa e de paixão, numa trama protagonizada por inúmeros personagens, cada um deles em defesa dos interesses ou de um governo, ou próprio, ou o de uma empresa, sendo impossível distinguir dos vilões os heróis; no filme não há espaço para maniqueismo: não há os legítimos representantes do bem e os autênticos representantes do mal. Todas as personagens envolvidas, diretamente, no caso entre governos e empresas de exploração de urânio são nebulosas, estão na penumbra, não na escuridão absoluta, tampouco iluminados por um astro radiante. E só faço uma ressalva à caracterização das personagens: numa exibição, presumo, de inegável amor, imerecido, inexplicado, injustificado, por uma visão de mundo ambientalista, melhor, onguista, as três personagens que representam a ONG ambientalista, Hèléne Morange, Jean-Michel e Coralie, são apresentados como seres abnegados, puros, imaculados. Tal detalhe, todavia, não reduz o valor do filme nem sequer em um centavo.
Enquanto se desenrola a investigação e as negociações - que se arrastam, com avanços e recuos inesperados, enervando os negociadores - com os sequestradores e com os representantes do governo do Níger, general Kassoum (Oumar Barou Quedraogo) e coronel Aboubacar (Emile Abossolo M'bo), e com os da empresa francesa Urania, que há décadas detém a licença, concedida pelo governo nigerino, de exploração das jazidas de urânio nigerinas, agora cobiçada pelo governo da China, que lança mão de expedientes reprováveis para obtê-la, Hugo Geoffrey tem contato com Yassine (Mohamad Zeidan), seu intermediário com os sequestradores, ou, melhor, com quem usa os sequestradores para fins obscuros.
O filme surpreende pelo tratamento realista dado à trama, sem concessões ao heroísmo de um indivíduo onipotente, que enfrenta, no muque, todos os seus oponentes, e pela ausência de cenas, grandiosas e desnecessárias, de perseguições mirabolantes de carros e motos pelo centro movimentado de uma cidade populosa. Não há cenas criadas unicamente para impressionar o público sugestionável e dele esconder a inexistência de uma trama bem concatenada. Prende a atenção usando, apenas, uma trama bem urdida: é impossível antecipar o seu desenlace; não se sabe quem ordenou o sequestro de Jean-Michel e Coralie e com qual propósito. Foi o governo da China? ou o da França? ou o do Níger?
Afirmei, no início, que não se encontrará em Conspiração (Qui sème le vent), cenas de explosão. De inspiração hollyoodiana, não, não se encontrará; no entanto, nos momentos finais, há uma cena de explosão, curta, de um, dois segundos, e se vê uma nuvem de fumaça elevando-se no horizonte, atrás dos prédios. E só.
É Conspiração (Qui sème le vent) um filme para quem aprecia o que de melhor a sétima arte pode oferecer.