Dogville ou Vila dos Cachorros

Na primeira vez que assisti Dogville (lá pelos idos de 2006) tive uma sensação de cansaço. As cenas se arrastam com lentidão e monotonia de dar sono. Estoicamente fui até o fim, para concluir: filme chato. Os dias passavam e a trama não saía de minha cabeça, o que me levou, recentemente a rever Dogville com atenção. Trata-se de um filme simples e complexo ao mesmo tempo. A monotonia tem a ver com o cenário: um vilarejo cercado por montanhas onde a vida corre numa rotina tediosa e opressora.

Grace, bela fugitiva, acha o seu refúgio ali, onde um aspirante a escritor, Tomas Edison como é chamado pelos habitantes, é o mentor filosófico da cidade. Ele convoca reuniões periódicas para aprimorar o convívio e o desenvolvimento moral de Dogville. Tomas faz uma estranha oferta à forasteira Grace, para ficar na cidade. Ela tem duas semanas para se fazer gostar pelos habitantes. Ajudando-os nas suas tarefas diárias, a jovem mulher não tarda a ser indispensável ao bem-estar de todos. Porém, ao saberem que Grace era, de fato, "perigosa", as "boas almas" de Dogville, a vila dos cachorros, se corrompem e mudam de atitude para com a "forasteira", até abusar dela sem escrúpulos. Dessa maneira, Vera, que tão preocupada se diz com a educação das crianças, lhes dá o mau exemplo do rancor e da tortura. Ben, que oferece ajuda a Grace como alguém capaz de arriscar a própria vida em nome do bem, termina por enganá-la. Tomas Edison pai concorda com a utilização de uma coleira de metal, amarrada a uma roda, que colocam no pescoço de Grace. Mas a corrige quando ela usa o termo “castigo”, afinal aquela não era uma sociedade inclinada ao mal.

Os atos de todos os habitantes da cidade revelam pouco a pouco a inveja, a covardia e a crueldade que sempre existiram no vilarejo. E assim, cada um revelará seus instintos mais baixos, sem jamais abdicar do verniz da bondade e da justiça.

No meu modo de entender, o diretor parece não ter esperança no ser humano. A esperança possível reside em entender que, como diz o português João Pereira Coutinho, nossa missão não é garantir o paraíso sobre a Terra, mas sim evitar que o inferno se instale.