Volto ao Recanto para apresentar mais uma lista. A segunda, na verdade. A primeira - sobre os melhores romances da literatura brasileira - mereceu boa repercussão, apresentando mais de 100 leituras.

Gosto de livros e de filmes. Em termos de cinema, embora aprecie quase todos os gêneros, tenho, por razões de história pessoal, uma especial predileção pelos faroestes. Explico. Quando era garoto, e morava em Salvador/BA, todas as tardes de sábado ia ao extinto Cinema Jandaia, na Baixa dos Sapateiros com o meu querido e saudoso tio Carlos Pereira Lima e lá ficava das 14:00 às 18:00h assistindo a matinê que, invariavelmente, sempre trazia em sua programação um faroeste.

Naquela época - início dos anos setenta - estava na moda o faroeste italiano, tão estigmatizado pela crítica da época e hoje, em boa medida, tornado referencial 'cult' na história do cinema. A propósito, venho publicando, aqui no Recanto, uma breve história do faroeste italiano sob o título 'ERA UMA VEZ NA ITÁLIA - A História do Western Spaghetti'. Quem quiser conferir...

Agora quero trazer à apreciação de vocês a minha lista dos melhores faroestes de todos os tempos. Evidente que, como em toda lista, injustiças seram cometidas. Só poderei elencar os filmes que assisti. Mas pretendo justificar voto a voto, trazendo, inclusive, breves informações e/ou curiosidades sobre os filmes mencionados. Esclareço que a ordem de apresentação dos filmes na lista não é aleatória. Ela representa, efetivamente, a minha ordem pessoal de preferência.

Espero que gostem. E mais que isso que apresentem comentários, sugestões, façam perguntas, elogiem e critiquem. Este 'feedback' é que faz qualquer lista valer a pena!

1 - ONDE COMEÇA O INFERNO (Rio Bravo) - 1959
Direção: Howard Hawks
Elenco: John Wayne, Dean Martin, Angie Dickinson, Ricky Nelson, Walter Brennan.
Este filme feito em 1959 - época em que o faroeste nos EUA já dava sinais de desprestígio - marca uma parceria importante na história do gênero: a de John Wayne, o velho 'Duke', talvez o ator mais emblemático do gênero e o diretor Howard Hawks.
O filme tem uma história que discute os limites da honra, da ética e da justiça. Um velho xerife (Wayne) prende um jovem infrator, filho de um grande proprietário de terras, e se vê cercado na pequena delegacia por um bando de pistoleiros dispostos a libertar, à força, o prisioneiro. Os 'honrados cidadãos' escondem-se em suas casas e o xerife só conta com a ajuda de um pistoleiro embriagado (Martin), uma dançarina de saloon (Dickinson), um jovem pistoleiro em busca de fama (Nelson) e um velhote (Brennan).
Onde Começa o Inferno é uma representação da apatia social que dominava - e ainda domina - um mundo no qual o melhor é sempre 'deixar prá lá'. E é também uma crua sátira, quase uma provocação contra os valores tradicionais esculpidos pelo cinema americano quanto à construção da figura dos seus 'heróis'. Aqui, não existem 'cowboys' de primeira linha, heróis empertigados em seus cavalos reluzentes. Como na vida real, a força e o impulso de contestação partem das pessoas mais inesperadas.
Onde Começa o Inferno, segundo o seu diretor Howard Hawks, é quase uma resposta em tons diversos para o também clássico 'MATAR OU MORRER' (High Noon).
O filme inspirou roteiros de diversos outros filmes, inclusive de gêneros diferentes, a exemplo do já clássico 'ASSALTO À 13ª DELEGACIA', de John Carpenter.

2 - ERA UMA VEZ NO OESTE (C'era una volta il west) - 1969
Direção: Sergio Leone
Elenco: Henry Fonda, Claudia Cardinalle, Jason Robards, Charles Bronson.
Aqui se vai dos EUA para a Itália. ERA UMA VEZ NO OESTE, dirigido por Sergio Leone, diretor que deflagrou o rico ciclo do faroeste italiano em 1964 com 'Por um Punhado de Doláres', é um faroeste atípico na sua narrativa, na condução estilística de imagens e de câmera, trazendo, para a tela, não só a visceralidade típica do gênero, mas, também, dando tratamento quase operístico à amplidão das paisagens e à motivação dos personagens - não por outra razão, o crítico norte-americano Roger Ebert do 'Chicago Sun Times' chama o filme de 'epic horse opera' - , alguns deles antológicos, como o vilão vivido por Henry Fonda e o misterioso pistoleiro da harmônica, talvez o mais marcante trabalho de Charles Bronson.
Para o crítico norte americano Ryan Cracknell, do Apollo Movie Guide, ERA UMA VEZ NO OESTE explora lendas e mitos em um filme que é atemporal e que, certamente, sobreviverá, como pura obra de arte, mesmo que o faroeste e os seus heróis venham um dia a desaparecer por completo.
Vale destacar que o roteiro de ERA UMA VEZ NO OESTE é de responsabilidade de pesos pesados do cinema italiano: DARIO ARGENTO, mestre do cinema de horror e suspense (O Pásaro das Plumas de Cristal, uma Noite na Ópera), BERNARDO BERTOLUCCI, célebre diretor (O Último Imperador) e o próprio SERGIO LEONE.

3 - PAIXÃO DOS FORTES (My Darling Clementine) - 1946
Direção: John Ford
Elenco: Henry Fonda, Linda Darnell, Victor Mature, Walter Brennan.
Paixão dos Fortes é um filme que assisti ainda criança e que remanesceu e remanesce em minha mente pela força e intensidade das imagens, as sólidas interpretações de Fonda e de um inacreditavelmente eficiente Victor Mature.
John Ford é um diretor que se caracteriza pela riqueza de temas e pela grandiloqüência do seu estilo de diretor. Aqui, ele narra uma história clássica do faroeste: a vida de Wyatt Earp (Fonda) e de Doc Holliday (Mature) no célebre e polêmico duelo do OK Corral.
Este tema voltou à tela algumas outras vezes, como, por exemplo, em 'SEM LEI E SEM ALMA' de John Stuges e 'TOMBSTONE' de George Pan Cosmatos, mas sem a força deste clássico inegável.

4 - OS BRUTOS TAMBÉM AMAM (Shane) - 1953
Diretor: George Stevens
Elenco: Alan Ladd, Van Heflin, Jean Arthur, Brandon de Wilde, Jack Palance.
Este filme explora, como poucos, a figura solitária e justiceira de um pistoleiro que faz justiça com as próprias mãos. Shane (Ladd) chega a uma cidade e torna-se, por acaso, protetor de uma família que se vê perseguida por um cruel proprietário de terras e seus bandoleiros, chefiado pelo frio Jack Wilson (Palance, em grande performance).
Neste processo, desperta o afeto da esposa e mãe da família (Arthur) e a admiração cega do pequeno filho do casal (De Wilde, em uma das mais célebres interpretações 'mirins' do cinema). Daí se estabelece o grande conflito do filme, que não é aquele das armas, mas sim o que se trava no campo da ética, da fidelidade e da moral, postos à prova por situações extremas de tensão e de transferência psicológicas.
Importante registrar que George Stevens não era um diretor especializado em faroestes. Em sua longa carreira, com mais de 50 filmes, OS BRUTOS TAMBÉM AMAM é o seu único faroeste.
O filme ganhou o Oscar de melhor Cinematografia e foi concorreu a 4 outras estatuetas: Melhor Ator Coadjuvante (Brandon DeWilde e Jack Palance), Melhor Diretor (George Stevens), Melhor Filme e Melhor Roteiro.

5 - O HOMEM QUE MATOU O FASCÍNORA (The Man Who Shot Liberty Valance) -1962
Diretor: John Ford
Elenco: John Wayne, James Stewart, Vera Miles, Lee Marvin.
Este filme marca, antes de tudo, o encontro de dois gigantes da tela: John Wayne e James Stewart. É também um filme que extrapola as fronteiras comuns do faroeste, ao narrar uma estória em que se discute a construção de um mito dentro de uma certa comunidade e de como a verdade simples de um fato pode ser habilmente manipulada para construir uma 'verdade absoluta' baseada em premissas inverídicas.
O pacífico Ramson Stodard (Stewart) transforma-se em um herói depois de ter vencido em duelo o malfeitor Liberty Valance (Marvin), acabando por se tornar Senador. Mas será que esta é a verdade? Neste compasso, o filme estabelece uma das 'taglines' mais conhecidas e imaginativas da história do cinema: entre a verdade e a lenda, imprima sempre a lenda.

6 - RASTROS DE ÓDIO (The Searchers) - 1956
Direção: John Ford
Elenco: John Wayne, Jeffrey Hunter, Vera Miles, Natalie Wood.
Este é um dos faroestes que frequenta, quase invariavelmente, todas as listas do gênero.
Na verdade, RASTROS DE ÓDIO é uma revisão de Ford sobre tema muito recorrente: o choque entre brancos e índios. Aqui, o célebre diretor relativiza o choque cultural, tratado sempre com tons maniqueistas, em que os indios eram vistos como selvagens, para, tecendo uma estória de ódio, frustração, busca e amor incondicional, restabelece a grandeza humana também dos até então depreciados 'pele-vermelhas'.
O filme é também um tratado sob a obsessão. Ethan Edwards (Wayne) passa anos da sua vida em busca da sua pequena sobrinha (Wood) raptada por uma tribo de índios. Nesta luta, arrasta consigo seus amigos até o limite da exaustão e do desespero, até o final inesquecível e pleno de significado.

7 - SETE HOMENS E UM DESTINO (Magnificent Seven, The) - 1960
Direção: John Sturges
Elenco: Yul Brynner, Steve McQueen, James Coburn, Eli Wallach, Charles Bronson.
Baseado no clássico Sete Samurais, de Kurosawa, este filme é um faroeste com todos os ingredientes típicos do gênero: estória frenética, grandes tiroteios, pistoleiros habilidosos, heróis contra mocinhos etc.
Um dos pontos mais conhecidos do filme é o seu tema de abertura, composto por Elmer Bernstein, que foi candidato ao Oscar de Melhor Música.

8 - MATAR OU MORRER (High Noon) - 1952
Direção:Fred Zinemann
Elenco: Gary Cooper, Thomas Mitchell, LLyod Bridges, Grace Kelly.
MATAR OU MORRER é o faroeste que trabalha habilmente com dois temas curiosos: a solidão de um homem diante de uma situação limite e a passagem inexorável do tempo.
Will Kane (Cooper) é o xerife de uma cidade que se vê cercado por um bando de pistoleiros saídos da prisão e que voltam para vingar-se dele, responsável pela prisão. Kane vê-se só e desamparado e aguarda, sob o compasso do relógio que, vez por outra, surge na tela, em tempo real, a chegada dos seus carrascos.
Filme tenso, tem sua maior força no estilo narrativo de Zinemann. Ganhou 04 oscars: melhor Ator, Melhor Edição, Melhor Música e Melhor Trilha Sonora Original.
Gary Cooper não compareceu à cerimônia do Oscar, tendo o prêmio sido entregue ao seu representante, John Wayne.

9 - O TESOURO DE SIERRA MADRE (Treasure of the Sierra Madre,The) - 1948
Direção: John Houston
Elenco: Humphrey Bogart, Walter Houston, Tim Holt, Bruce Bennett
O melhor filme de Houston. Tenso, cheio de surpresas, é uma fábula sobre a ambição desmedida e a avidez perniciosa dos homens. Excelente performance de Bogart e Houston. O filme ganhou 3 Oscars: Melhor Ator Coadjuvante (Walter Houston), Melhor Diretor e Melhor Roteiro. O ator Walter Houston, que vive o velho Howard, era pai do diretor John Houston.

10 - MEU ÓDIO SERÁ TUA HERANÇA (Wild Bunch, The)
Direção: Sam Peckinpah
Elenco: William Holden, Robert Ryan, Ernest Borgnine, Edmond O'Brien.
Violento faroeste, com uma cinematografia perfeita, um elenco impecável e um filme que já evidencia, em sua ´temática e abordagem, a influência do ciclo do faroeste italiano, notadamente no fato de que todos os 'heróis' são, na realidade, bandidos e na violência intensa das cenas de tiroteio.
Para o crítico Roger Ebert, o filme 'representa a morte e a violência em termos tão definitivos e até excessivos que acaba por, paradoxalmente, torna-se uma declaração veemente contra a própria viol~encia e uma reação a esta'.