Como uma mulher foi à Lua em 1929

COMO UMA MULHER FOI À LUA EM 1929
Miguel Carqueija


Resenha do filme “A mulher na Lua” (Die frau in mond). Alemanha, Fritz Lang Film e Universum Film, 1929. Produção e direção de Fritz Lang. Roteiro de Thea von Harbou, com base em seu livro. Chefe de produção: Eduard Kubat. Música: John Mirfalis e Willy Schmidt Gentner. Efeitos especiais: Oskar Fischinger e Konstantin Irmen-Tschet. Consultor científico: Professor Hermann Oberth. Participação da Fundação Friedrich Wilhelm Murnau.
Elenco:
Friede Velten...............................Gerda Maurus
Professor Wolf Helius..................Willy Fritsch
Professor Georg Manfeldt...........Klaus Pohl
Engenheiro Hans Windegger......Gustav von Wangenheim
Gustav.........................................Gustl Stark-Gstettenbaur
Walter Turner.............................Fritz Rasp
A ratinha do Prof. Manfeldt........Josephine



Um dos filmes mais surpreendentes do cinema mudo é com certeza “A mulher na Lua”, ficção científica baseada num livro de Thea van Harbou, também autora do roteiro, e que era casada com o diretor Fritz Lang. Com alguma participação de F.W. Murnau (sua fundação é mencionada na ficha técnica), também ligado ao cinema fantástico, “A mulher na Lua” é um inusitado exercício de ficção espacial, cheio de furos científicos compreensíveis (afinal naquela época só haviam foguetes primitivos) e mesmo assim ousada e envolvente. Aliás houve a consultoria do Prof. Hermann Oberth, um dos pioneiros da Astronáutica.
A história é absurda e fascinante. É também anacrônica, pois não dá o clássico “salto para o futuro”, passa-se no próprio presente, ou seja, aparentemente na década de 1920, mas supõe uma maior familiaridade com viagens espaciais. Inspirado nas teorias do velho e excêntrico Prof. Manfeldt, certo industrial e também professor, Wolf Helius, constrói uma astronave para chegar na Lua. Um grupo de tubarões das finanças cobiça a invenção e o ouro que presumivelmente haveria no satélite. Assim o seu preposto Turner vai chantagear Helius, depois de conseguir roubar-lhe os planos. Helius é constrangido a permitir o ingresso de Turner na tripulação da “Friede”, a nave aerodinâmica lunar, que tem o mesmo nome da astrônoma aprendiz que se tornou noiva de Hans Windegger, sócio de Helius.
Esta será a tripulação: Helius, Hans, Friede, Turner, o Prof. Manfeldt e Gustav, o garoto amigo de Helius que entra clandestinamente e é fã de contos de ficção científica da revista Nick Carter (um dos contos mostrados nas capas intitula-se “Lutando com as vacas lunares”). Há também Josephine, a ratinha do Professor George Manfeldt.
Do ponto de vista científico há prós e contras: foram feitas notáveis antecipações, como a contagem regressiva e o comportamento de líquidos num ambiente sem gravidade. A visão da nave no espaço é bisonha mas o pior é a Lua com atmosfera respirável e até jazidas de ouro quase à superfície. Aliás é o ouro que enlouquecerá dois personagens (como se fosse lucrativo ir até a Lua para buscá-lo) e provocará uma série de tragédias que determinarão o resultado final.
As interpretações são típicas do cinema mudo: exageros nos gestos e expressões faciais já que não havia voz mas apenas intertítulos. Helius é honesto, corajoso e obstinado. Hans é emocionalmente desequilibrado e mal chega à Lua já está louco para partir. Isso decidirá o triângulo amoroso de início menos percebido entre ele, Helius e Friede — esta uma personagem sóbria e séria que adquire no fim uma aura mística. Quanto ao vilão, Turner, caviloso e cínico, inescrupuloso, por incrível que pareça faz lembrar Hitler com topete e tudo, isso anos antes do nazismo chegar ao poder.
O garoto Gustav tem a pureza da infância e é muito esperto; quanto ao velho cientista, é uma figura cômica em sua excentricidade; pena que no fim tenha pego a estúpida febre do ouro.

Rio de Janeiro, 12 a 14 de abril de 2019.