Cinema-lixo: Batman versus Superman

CINEMA-LIXO: BATMAN VERSUS SUPERMAN
Miguel Carqueija

Dificilmente assisto filmes de super-heróis norte-americanos, mas há 40 anos que eles vêm se tornando a obsessão de Hollywood. Através de maciça propaganda procura-se criar filmes do tipo arrasa-quarteirão, com bilheterias fenomenais, o que nem sempre ocorre.
Por certo, antes do primeiro longa-metragem do Super-Homem em 1978 já existiam películas de super-heróis para o cinema de longa-metragem e não apenas seriados de tv ou cinema. Mas a partir de 1978 começaram a investir pesadamente nesse gênero em Hollywood e também em desenhos animados além das fitas de ação viva.
O resultado tem sido terrível e vai de mal a pior, com o culto à violência e o exagero nas cenas de destruição em massa e brutalidade até dos pretensos heróis, além das monstruosidades apresentadas e da forma arbitrária como os enredos são construídos. Na verdade, se na vida real existissem os super-seres, bons, maus ou ambíguos, dessas histórias, o mundo seria por demais horrível para se viver.
“Batman vs. Superman” (subtítulo “A origem da Justiça”) é mal dirigido, produzido e roteirizado, com muitos cortes de cena que nos levam arbitrariamente em diversas situações clichê, com personagens mal-ajambrados (principalmente os secundários), enfoques políticos mal explicados e uma parafernália de efeitos especiais que parecem de filme-catástrofe. Lex Luthor, praticamente o único vilão importante (o monstro absurdo que aparece no final não me parece que conte, pois afigura-se completamente irracional), está debochado como se fosse o Coringa (estranhamente não elencado) e cabeludo ainda por cima.
Em criança li muitos quadrinhos de super-heróis e sei que eles eram bem inocentes, eram histórias infantis. Basta dizer que ninguém morria, os vilões só conseguiam roubar, não matavam ninguém. Nas últimas décadas cada vez mais eles perderam a inocência. Lembro que, no tempo da tirinha do Super-Homem que saía em “O Globo” nas décadas de 50 e 60, Lois Lane (que aparecia com o nome traduzido para Miriam) nem sabia que Clark Kent era o Superman, e seu namoro era puramente platônico. Neste filme de 2016 não só ela sabe como é amante de Kent/Superman. Este chega a entrar despreocupadamente no apartamento da repórter, flagrando-a nua no banheiro; ela só não é vista nua na tela por estar na banheira, tomando banho de imersão. E recebe o Kent numa boa, sinal de que ele tinha chave da casa. Outro desvirtuamento: Perry White, diretor do jornal Planeta Diário, é um personagem branco, sempre foi, mas no filme é mulato. É claro que é perfeitamente normal e justo colocar personagens de qualquer etnia, mas não modificando os que já existem. Se existiu essa preocupação entre os produtores, poderiam criar personagens assim, inserindo-os no contexto. Mas o que fizeram é o mesmo que transformar Sherlock Holmes num chinês.
Causa espécie a brutalidade que perpassa o filme inteiro. Batman então está especialmente brutal, chegando a tatuar criminosos com a marca do morcego. Praticamente não se fala em amor. O que se fala é em justiça, antecipando a Liga da Justiça que virá a seguir, mas não é convincente e muito menos a tentativa de apresentar o Super-Homem como um messias, uma metáfora de Jesus Cristo. Ele é um personagem muito materialista, inclusive seus poderes são pseudo-científicos; a meu ver, tirando fora excessos violentos como os Cavaleiros do Zodíaco, no Japão, principalmente em desenhos animados, aparecem personagens messiânicas em geral femininas que por serem místicas, espiritualizadas, superam em muito o aspecto messiânico do Super-Homem. A princesa Nausicaa, Hikaru Shidou, Usagi Tsukino (Sailor Moon), Kagome, são exemplos notáveis desse messianismo de animês.
Quanto ao conflito entre Batman e Superman, instigado por Lex Luthor que vê assim uma oportunidade para eliminar pelo menos um dos dois heróis, acaba sendo o foco de interesse desta produção assaz longa e traz alguns momentos melhores, como quando o Morcego pergunta ao Homem de Aço, com sua voz sinistra: “Você sangra?” No mais, a aparição meio intempestiva da Mulher Maravilha, a senadora inexpressiva, a cena esquisita do atentado no Capitólio, a sensaboria da Lois Lane. E o excesso de horror e catástrofe nas cenas finais. A arte e a inteligência, para não falar numa mensagem ética válida, passaram ao longe.


“Batman v Superman – Dawn of Justice” – DC Comics, Warner Bros. Pictures, EUA, 2016. Produção executiva: Christopher Nolan, Emma Thomas, Geoff Johns. Produção: Charles Roven, Deborah Snyder. Direção: Zack Snyder. Roteiro: Chris Terrio e David S. Goyer. Personagens criados por Bob Kane e Bill Finger (Batman), Jerry Siegel e Joe Shuster (Super-Homem), William Moulton Marston e H.G. Peter (Wonderful Woman).
Elenco:
Batman (Bruce Wayne)........................Ben Affleck
Superman (Clark Kent).........................Henry Cavill
Mulher Maravilha (Diana Prince).........Gal Gadot
Lois Lane...............................................Amy Adams
Lex Luthor.............................................Jesse Eisenberg
Martha Kent..........................................Diane Lane
Perry White...........................................Laurence Fishburne
Alfred Pennyworth................................Jeremy Irons
Senadora Finch......................................Holly Hunter
Jimmy Olsen..........................................Michael Cassidy
Jonathan Kent.......................................Kevin Costner

Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2018.