Tropa de Elite - 2007 - José Padilha

Não é preciso muito para reconhecer que com a ascensão do cinema brasileiro inevitavelmente filmes como esses iriam surgir. A questão social é muito forte para ser esquecida. E nada mais urgente que a guerra civil que é travada no Rio de Janeiro diariamente. Interessante no filme o contraponto lançado entre estudantes da classe média e o policial. É bastante inteligente do roteiro colocar em paralelo uma discussão sobre Foucault do lado da brutalidade nua da prática policial.

Entre teoria e prática há discrepantes distâncias e se na teoria a estatística do número de crimes é uma, o desenrolar de um relatório atinge várias camadas da organização e se torna inviável. Mas o filme não fala dessa diferença teórica e prática, só a usa como elemento do roteiro. Ele fala sim da moralidade. De como ela funciona, em ambientes pacíficos e como ela se distorce em ambientes violentos.

O BOPE é um comando tático especial da polícia militar e ele faz as incursões mais complicadas e estratégicas da polícia. A tropa de elite é bem distante da polícia normal, onde vemos pessoas corruptas despreparadas e sem equipamento adequado. Ela funciona para fazer funcionar o nosso modo de vida, há de se ter na sociedade um grupo em que os fins justifiquem os meios.

Isso, eu falei “os fins justificam os meios”. Coisa tão atacada e combatida em uma democracia liberal. Lindo na teoria... No Rio, como diz o filme, há cerca de 700 favelas, a maioria dominada por um traficante e seu grupo, em crescimento vertiginoso, afinal o que não falta é consumidor. E desde que se sabe, traficante pratica ato ilícito, é armado com armas de exército e tem muito dinheiro.

Infelizmente para nós, ser traficante diz usar de violência, o poder de fogo fala mais alto, é a voz de comando. Nessa hora não existe direito humano, Estado, contrato social nem nenhuma dessas abstrações, é a lei do mais forte, somente. Se o traficante tem arma, é respeitado e não gosta de fulano... fulano vai morrer. Nessa região da nossa sociedade em que não há lei somente um grupo com liberdade igual pode se opor ao comando do tráfico.

O BOPE é esse poder. Treinados de maneira estúpida e necessária seus integrantes são, praticamente, soldados. São desenvolvidas todas as habilidades necessárias para que o soldado consiga fazer bem seu trabalho, que é garantir que as missões sejam cumpridas, que na maioria das vezes é matar. No BOPE os fins justificam os meios; torturas, inocentes, baixas casuais. Afinal estamos em guerra civil, onde o Estado não tem nenhum controle é zona caótica e ali, infelizmente, vale de tudo.

Lógico que eu não digo que isso é o ideal, mas sim, o que acontece na prática. E infelizmente é assim, policial é o lado A e assecla do traficante é o lado B, quando se encontra é guerra. Não se liga para quem estiver no meio, seja mulher, pessoa idosa ou criança. Precisa-se de uma informação? Há de se obtê-la, de qualquer maneira.

Estamos falando de pessoas com medo de morrer, de traficantes que não ligam a mínima para a vida, o valor humano é relativizado ao nível de seus interesses e se em uma hora uma coisa está boa, logo pode se tornar ruim, basta querer.

Uma sociedade como a nossa que é especificissícima na variedade e qualidade de serviços e atividades encontra meios de se organizar independentemente das leis que existam e o equilíbrio é mantido nem sempre pelos meios legais, ego e poder geralmente formam uma combinação letal. Primeiro relativizando a moral do possuidor do poder, de outro lado relativizando a moral do ordenado. Em uma estrutura que se baseia pelo poder e respeito podemos ver a fragilidade de sua estabilidade. Basta que uma coisa saia errada para uma série de reformulações ocorrerem. Basta que o aspirante encarregado da oficina fique revoltado com a falta de peças e o descaso do superior para que toda uma série de eventos mude a vida de muitas pessoas ao redor da cidade.

O filme é plástico, ele não se intimida de usar a violência como provavelmente acontece no dia a dia e isso é espetáculo, principalmente no cinema. Tiroteio sempre é estimulante. A voz embargada do Wagner Moura é hipnotizante e o tom que ele usa é fantástico, deixando o espectador querendo que ela ressoe mais um pouco. E nesse caso não só pela sonoridade como pelo conteúdo.

Há bastante ação para que não saiamos satisfeitos da experiência que é ver a realidade retratada de forma idêntica, o que nesse caso é o exemplo extremo da arte plástica, o super realismo a que a obra nos submete, por mais que saibamos que seja verossímil é muito mais como curioso interesse e imersão de adrenalina que a vemos. Saímos da experiência rindo das piadas efetuadas e com uma leve inclinação à reflexão.

E se o filme fala da moralidade e sua relativização nos tempos em que o “bicho pega”, também fala da hipocrisia, de modo contido até, mas de uma forma muito contundente. No inicio do filme vemos uma discussão dentro de sala de aula de gente da classe média acontecendo logo depois que vemos o playboy comprar duas pedras de maconha para revender dentro da própria faculdade. O eixo traficante-aluno é incomodado pelos policiais, que fazem “blitz” violentas em pobres coitados da pseudo elite social, e eles não aceitam que essa blitz possam acontecer, que os policiais estejam realmente revoltados com o consumo de drogas deles, e que eles alimentam efetivamente o ciclo vicioso que permeia todo o comércio de drogas. Afinal um produto só é vendido se alguém compra, e se alguém compra, estimula a venda. Moralidade relativa mais hipocrisia. Um combinação bombástica, assim como o ego e poder. De um lado uma combinação, de outro, outra. E assim o BOPE fica no meio, tentando colocar tudo na linha, e infelizmente utilizar de meios pouco humanos, afinal a luta é desumana.

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 11/09/2007
Reeditado em 12/09/2007
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