O Fim do Sonho Americano - A Concentração, Riqueza e Poder

Filme de Peter Hutchison, Kelly Nyks, Jored P. Scott, é um documentário que denuncia uma enorme concentração de riqueza sem precedentes, conjugada com a deterioração dos princípios democrático e perversão da moral e da lei. Ao partir da sociedade americana Noam Chomsky evidencia 10 princípios da concentração de riqueza que, por conseguinte, gera a concentração de poder, que redunda num círculo vicioso que engendra opressão e violência da corrupção que compõem a maior ofensiva contra o mundo do trabalho, ofensiva que esconde uma reação contra o movimento democratizante dos anos 60 do século XX, mas que se configura como uma poderosa campanha para remodelar a ideologia e reconfiguração da economia mundial, sustentada em sua base pela eliminação de direitos mais elementares da maioria da população pobre e vulnerável, em contraste, com a crescente extensão de direitos a grandes corporações multinacionais e sistema financeiro. Logo, esse círculo vicioso se configura: concentração de riqueza gera concentração de poder, que por sua vez, gera mais poder ao estende-se à legislação por meio do financiamento privado das eleições e partidos políticos e, por conseguinte, do pleno controle da política, dos governos e da justiça pelos mestres da humanidade.

Durante a Grande Depressão subjetivamente a situação era bem pior a que estamos vivendo hoje, todavia havia uma expectativa que tudo iria mudar, hoje não temos nenhuma esperança, enfrentamos uma desigualdade sem precedentes na história dos EUA. Se analisarmos a distribuição de riqueza iremos perceber que a desigualdade vem na maioria da super-riqueza, 1/10% da população é super-rica. A desigualdade tem efeito negativo em toda sociedade, não só é por si própria injusta, como tem efeito corrosivo e prejudicial à democracia.

A democracia é um valor professado nos EUA, e que significa a democracia senão que a opinião pública tem um peso muito grande nas decisões políticas, os governos tomam decisões a partir das demandas da população. Destarte, que é importante saber que os setores privilegiados e poderosos não gostam da democracia, por uma razão muito óbvia, a democracia coloca o poder na mão do povo para tirar das deles.

A concentração de riqueza engendra a concentração de poder, particularmente ao custo da disparada das eleições, que é o momento em que força os partidos políticos serem controlados por grandes corporações. A concentração de poder político estende-se à legislação, que por sua vez, aumenta ainda mais a concentração de riqueza, isto é o que temos visto, um círculo vicioso, que é tão velho que foi descrito na obra de Adam Smith em 1776, A Riqueza das Nações. Na Inglaterra de Adam Smith os principais arquitetos da política, denominados por ele de “masters of mankind”, o que se traduz em os “mestres da humanidade”, que são as pessoas que são donas da sociedade, eram os comerciantes e fabricantes, que foram hoje substituídos por instituições financeiras e corporações multinacionais, mas que continuam seguindo a máxima vil: “All for ourselves, and nothing for other people” (tudo para nós, nada para os outros), quer dizer, que eles só buscam políticas que os beneficie enquanto que o restante da população são prejudicadas.

Desde a sua fundação a sociedade norte americana está atravessada por confrontos de pressão por mais liberdade e democracia, vindo de baixo, e esforço por controle e dominação das elites, vindo de cima. Não obstante acreditar na democracia, James Madison, o principal legislado, se esforçou e lutou, com êxito, para que o sistema dos EUA fosse elaborado para ficar na mão dos ricos, que a creditava ele serem os homens mais responsáveis. Madison temia que os pobres se organizassem e tomasse a propriedade dos ricos. O curioso é que esse debate tem uma tradição muito antiga, é possível constatar na primeira grande obra de sistema político: Política de Aristóteles, todavia ao propor diminuir a desigualdade, Aristóteles vislumbrou solução contrária a de Madison. Os anos 60 do século XX foi um exemplo claro de um período de expressiva democratização da sociedade, setores da população, antes pacífico e apáticos, começaram a se organizar, ficaram exigentes, e começaram a se envolver na tomada de decisões, de várias formas isso começou a mudar a consciência. Foram efeitos civilizadores que causaram muito medo nos mestres da humanidade.

O que ninguém previu foi a força da reação contrária. Está havendo um enorme, concentrada e coordenada ofensiva empresarial que deu-se inícios nos anos 70, em muito aspectos o que se percebe é uma tentativa de reduzir os esforços de igualdade, que passa direto pelo governo Nixon. Uma iniciativa da direita está expressa no famoso “Memorando Powell”, que alertou para o fato que as empresas estavam perdendo o controle sob a sociedade, e que as empreses deveriam usar seu controle dos recursos para combater essa onda democratizante. Por outro lado, algo similar foi tentado pelos liberais com o primeiro grande relatório da Comissão Trilateral, elaborado pela equipe da administração Carter, cujo título é bem expressivo: “A Crise da Democracia”, ao apontar para o fato de que havia um “excesso de democracia”, quando “interesses especiais” (expressão as vezes usadas para aquela parcela passiva e obediente da população) estavam se organizando e tentando entrar na arena política, fato que disseram: “impõe muita pressão sob o Estado”, não tinha como se lidar com tanta pressão, portanto, medidas teriam que ser tomadas para que voltassem a passividade e se despolitizarem. Eles estavam especialmente preocupados com os jovens e instituições responsáveis por doutrina-los, como igreja, escolas e família. Nesse aspecto se constata o nível ideológico da reação contrária. Contudo, a maior reação contrária estava acontecendo paralela a essa, que foi redesenhar a economia.

Desde os anos 70 que os mestres da humanidade, os donos da sociedade, estão concentrando esforços para mudar a economia em dois aspectos. Se por um lado, há um esforço para aumentar o papel das instituições financeiras na economia, um fenômeno chamado de “financeirização da economia”, por outro lado, junto, está acontecendo a reação da produção, que é a reconstrução de um sistema de comércio com objetivo explícito de colocar trabalhadores competindo entre si no mundo todo. O que provoca uma redução da parcela da renda dos trabalhadores. É um fenômeno global, logo, trabalhadores americanos estão competindo com trabalhadores superexplorados da China. Enquanto isso, profissionais altamente qualificados e remunerados são protegidos, longe de competirem entre si, por uma razão óbvia, o capital é de livre movimento ação, enquanto que os trabalhadores e o trabalho não podem se mover.

E para manter o controle sob os trabalhadores, para que eles não reivindiquem melhores salários, melhoria de condições de trabalho ou oportunidade de livre associação, à política é desenvolvida para aumentar “insegurança no trabalho”, isso é bem explicito no testemunho que Alan Greenspan deu ao Congresso, ao explicar o seu sucesso em conduzir a economia norte-americana.

Havia uma preocupação com os consumidores quando os EUA era o centro de produção, mas quando se passa a uma “plutonomia” internacional, com os bancos gostam de chamar, a concentração de riqueza por parte de uma pequena parcela da população mundial, o que acontece com os consumidores americanos não é uma preocupação, quando não vão consumir os produtos que vão produzir, pelo menos não com frequência, quando na verdade seu objetivos é ter lucro no próximo trimestre, mesmo que for com base em manipulação financeira, altos salários e bônus, produzir nos exterior, se necessário, e produzir para as classes ricas aqui e seu homólogos no exterior. Quanto ao resto dos trabalhadores, até são chamados de “precariados”, que são os trabalhadores mundiais que vivem em condições precária.

O sistema de impostos foi reprojetados para diminuir a parcela dos impostos pagos pelos ricos enquanto a carga tributária pesa completamente sob os pobres. Mas sempre há um “pretexto”, e o “pretexto” aqui é que isso aumenta os investimentos e emprego, todavia não há prova disso, quando o óbvio seria, para aumentar os investimentos, se traduz em dar dinheiros aos pobre e trabalhadores, eles vão precisar sobreviver, então gastam suas rendas, isso estimula a produção e o investimento, gera mais empregos.

Do ponto de vista dos mestres da humanidade a solidariedade é muito perigosa, mesmo que isso esteja em desacordo com os heróis que elegem, como Adam Smith. O que é possível observar hoje na formação política é o esforço em retirar essas emoções humana básicas da cabeça das pessoas, um exemplo, é o ataque não só à Seguridade Social, como também às Escola Públicas, por serem fundadas no princípio de solidariedade. É o que vemos acontecer na nossa frente, é um ataque geral a princípios que, não só são humanos, mas são a base da prosperidade e riqueza da sociedade norte-americana.

Quanto a Desregulamentação, ou que é chamado de “captura regulatória”, se acompanharmos a história da regulamentação, com a ferrovia, a financeiras etc. é possível perceber que ela comumente ou iniciada com a concentração econômica, o motivo é que sabem que, cedo ou tarde vão dominar os reguladores, de outro modo, o negócio regulado está operando os reguladores, quer dizer, lobistas bancários estão escrevendo as leis de regulamentação financeiras, chega a esse extremo. É uma tendência natural quando se vê a distribuição de poder. Os lobbying vem aumentado desde os anos 70 no momento em que o mundo do negócio passou a tentar controlar os reguladores, que foi uma reação contra o Estado de bem-estar social, a partir do governo de Richard Nixon, o último presidente do New Deal, o que eles consideravam uma traição de classe. Desde então com ferocidade deu-se início um processo de Desregulamentação, e só não houve colapso financeiro nos anos 50 e 60 devido ainda se encontrar em ação o aparato regulatório do New Deal. Com o desmantelamento por pressões comerciais e política começou os colapsos financeiros depois dos anos 70, e decolou com os anos 80. E tudo isso é muito seguro desde que os governos estão sempre prontos a socorre-los, ou em outras palavras, de agora em diante toda vez os contribuintes são chamados para socorrer àqueles que criaram a crise e, de forma crescente, também a falência das instituições financeiras.

Os ganhadores do Nobel de Economia, Joe Stiglitez, Paul Krugman, e outros, não concordom com o curso que seguimos, e, no entanto, não foram abordados, ao contrário, as pessoas que foram escolhidas para concertar a crise foram as que provocaram, como Robert Rubin, Goldman Sachs. E isso não foi por acaso, qual é a expectativa que se pode criar de um plano econômico elaborado por esse tipo de pessoas? Enquanto isso para os pobres deixam prevaleceram os princípios do mercado, não se pode contar com ajuda do governo. Isso é essencialmente neoliberal; tem um caráter dualista que remonta a história econômica: um conjunto de regras para os ricos, e regras contrárias para os pobres. Esse tipo de política não deveria ser surpresa para ninguém, é o que acontece quando se delega poder a um pequeno setor de riqueza, que eles se dediquem a aumentar seu próprio poder, que era o que se deviria esperar.

A concentração de riqueza gera concentração de poder, num círculo vicioso particularmente que começa com a cooptação dos partidos políticos à grandes empresas, através do financiamento privado de campanha eleitoral. O efeito desse financiamento é possível perceber na Constituição, um exemplo que podemos tomar é da emenda 14ª que diz: “Os direitos de ninguém podem ser violados sem devido processo legal, se forem pessoas”, que a despeito de ter sido elaborado com a intensão de proteger os escravos libertos, só serviu para empresas e corporações. Logo, as empresas ganharam não só o estatuto de pessoa sob a lei como também a expansão de direitos, ao mesmo tempo que são restringidos direitos que as pessoas já têm; então um disparte efeito disso foi que os estrangeiros documentados que vivem e trabalham nos EUA não são pessoas, enquanto que a General Electric é considerada uma pessoa, superpoderosa e imortal. É chocante essa perversão da moral elementar e do significado da lei. Nos anos 70 ao decidirem que o dinheiro é uma forma de expressão, até o momento em que gradualmente as empresas tornaram-se pessoas, com direitos de liberdade de expressão, a repercussão disso foi que, se antes as corporações já compravam as eleições, agora são livres para faze-los sem nenhuma restrição. É monstruoso ataque ao que resta de democracia, e é o que se estabelece como um círculo vicioso.

As Organizações Trabalhistas são uma força que, a despeito de todas as suas falhas, vem testando na linha de frente esforços para melhorar a vida da população. A principal razão dos ataques concentrados, quase fanáticos, a sindicatos e movimentos trabalhistas é por serem uma força democratizante. Eles proporcionam uma barreira que defende os direitos dos trabalhadores, mas também direitos da população em geral, e isto implica uma interferência na prerrogativa e poder dos donos da sociedade.

O sentimento de antissindicatos das elites nos EUA é tão forte que aqui não foi ratificado o direito de livre associação, o núcleo principal dos direitos trabalhistas e o princípio básico da Organização Internacional do Trabalho, isto em contraste com a longa e violenta história do movimento trabalhistas antes da Segunda Guerra Mundial, que foi esmagada, depois do período beligerante, com a ofensiva das empresas materializada na Lei Taft-Hartley, que tinha como “intensão” “restaurar a justiça e igualdade nas relações trabalhistas”, e depois com o macatismo, usado para propaganda corporativa para atacar os sindicatos. O resultado vem à baila hoje ao constatar que apenas 7% dos trabalhadores dos setores privados são sindicalizados e, ao mesmo tempo, que uma eliminação significativa de uma consciência de classe.

Dedicadas a criar consumidores, à indústria de relações pública e de publicidade são fenômenos que se desenvolveu em países livre, como a Grã-Bretanha e Estados Unidos, por uma razão muito simples, logo ficou claro que, com os avanços de conquistas por mais liberdades, seria muito difícil controlar a força essa população. “Fabricar consumidores”, como chamou o grande economista político Thrstein Veblen, é melhor forma de se controlar as pessoas em termos de atitudes, isto as manterá fora do seu caminho. Essa doutrina é defendida em meios a intelectuais progressistas, como Walter Lippmann, que assinalou que para que os homens responsáveis tomem decisões sem a interferência do “rebanho desnorteado”, será preciso colocar o público no seu lugar. Sendo apenas espectadores, e não participando, esse é o ideal de uma democracia eficiente, como Madison a pensou e como expresso no Memorando Powell. A questão é criar consumidores desinformados que farão escolhas irracionais, e quando vemos os sistemas de Relações Públicas comandar as eleições, eles farão o mesmo, logo, estão criando eleitores desinformados, que farão escolhas irracionais, muitas vezes contra seus próprios interesses. Essa extravagância é o que vivenciamos em todas as eleições, qual seja, “venderem candidatos como se fossem pasta de dentes” e, o seu efeito desejado por liderança de dois partidos e os seus financiadores, é fabricar uma opinião pública completamente desconectadas das questões políticas, quando o foco das decisões políticas são os interesses privados, o que se faz é marginalizar todo uma a população desse processo.

Um estudo de Martin Gilens, um dos principais cientistas político, ao se debruçar na relação entre atitudes pública e política pública, evidencia que 70% da população não tem como influenciar a política, e a população sabe disso. O resultado foi que levou a uma população brava, frustrada, que odeia instituições, mas que não está agindo construtivamente para reagir a isso; há mobilizações e ativismo, mas em direções autodestrutivas. Coisas desse tipo corrói as relações sociais, mas é o objetivo, fazer as pessoas se odiarem e temerem umas às outras, se fecharem em si mesma ao se torarem egoístas. É o que está provocando a sociedade americana se tornar muito feia. Uma sociedade baseada na máxima vil de Adam Smith: “Tudo para mim, nada para os outros”. Uma sociedade cujos os instintos humanos naturais de compaixão, solidariedade, apoio mutuo, está sendo eliminados. Uma sociedade pequena, por mais feia que pareça, ao ser controlada pela riqueza privada que, por efeito, reflete seus valores de ganancia e egoísmo desmeidos, sobrevive por muito tempo, agora uma sociedade global está fadada à destruição em massa.

É da opinião de Chomsky que não somos inteligentes o bastante para projetar em detalhe uma sociedade livre e justa, mas que podemos nos orientar e, o que é mais importante, perguntar como progredir nessa direção. Para tanto temos de onde partir, por exemplo, John Dewey, principal filósofo do século XX, argumentou que até todas as instituições, produção, comércio e mídia não estarem sob controle participativo democrático, não teremos uma sociedade democrática eficiente. Onde houver qualquer estrutura de autoridade baseada na dominação e hierarquia, elas não são autojustificáveis, qualquer autoridade que se exerça é preciso mostrar o ônus da prova para justificar a si mesma, e o que é possível perceber é que esse tipo de autoridade não se justifica, o que força-nos desmantelar esse tipo de autoridade ilegítima. Na verdade, o progresso, ao longo dos tempos, direciona-se para esse horizonte, todas as mudanças que acontecem são resultado das conquistas daquelas pessoas que estão lutando o tempo todo, elas estão construindo a base de um poder popular, essa é a única maneira que as mudanças acontecem ao longo da história. Os ativistas são pessoas que criaram os direitos que usufruímos hoje. Eles não só lutam por políticas com base em informações que coletam, mas também contribuem para compreensão de como a sociedade funciona. Lembre-se esse processo é recíproco, você tenta fazer algo, você aprende com o mundo, e isso alimenta a compreensão de como prosseguir. Há muito a ser feito, só é preciso que as pessoas se organizem e lutem por seus direitos, como aconteceu no passado. É nesse momento que Chomsky termina o documentário com a frase de seu bom amigo Howard Zinn: “O que importa são os incontáveis pequenos atos de pessoas desconhecidas, que fundam as bases para os eventos significativos que se tornam história.”

Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=eygAlutORMk&t=116

George Gonçalves de Leão
Enviado por George Gonçalves de Leão em 26/03/2018
Reeditado em 24/11/2018
Código do texto: T6291452
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