Vidas que se cruzam
VIDAS QUE SE CRUZAM
Miguel Carqueija
Resenha do filme “A janela da frente” (La finestra di fronte) – Itália, 2003; co-produção anglo-turco-portuguesa. Produção: Tilde Corsi e Gianni Romoli. Roteiro: Gianni Romoli e Ferzan Ozpetek. Direção: Ferzan Ozpetek. Fotografia: Gianfilippo Corticelli. Música: Andrea Guerra.
Personagens e elenco:
Giovanna....................Giovana Mazzogiorno
Filippo........................Filippo Nigro
Lorenzo......................Raoul Bova
Davide........................Massimo Girotti
Eminè.........................Serra Yilmaz
“Não se contente em sobreviver. Você deve viver num mundo melhor, não apenas sonhá-lo. Eu não consegui.”
(Davide)
Servido por uma boa trilha musical (que inclui as vozes de Nada em “Ma che freddo fa”, Guadalupe Pineda e Los Tres Ases (História de um amor) Mina (Chiuahua) este filme é um interessantíssimo drama humano onde o passado se entrelaça com o presente e a vida de uma mulher de classe média baixa se transforma através de uma sucessão de acontecimentos extraordinários. A personagem dominante é Giovanna — lindamente interpretada pela atriz que é quase sua xará. O enredo aborda assuntos delicados: adultério, homossexualismo, imigrantes, relações conjugais. Pega ainda os traumas deixados pela II Guerra Mundial.
Giovanna é uma personagem fascinante. De início dá a impressão de uma mulher implicante, mal-humorada, que briga constantemente com o marido Filippo e tem problemas até com os filhos pequenos Martina e Mario: quando fala em bater na menina, esta ameaça denunciá-la. Giovanna também se mostra intransigente quando Filippo se interessa pela sorte de um senhor octogenário que perambulava desmemoriado pela rua (Massimo Girotti em sua última e brilhante atuação, pois morreu antes da estreia da película) e que diz chamar-se Simone (mais tarde descobre-se que seu nome de fato é Davide).
Os problemas entre Giovanna e Filippo em grande parte devem-se ao desencontro de suas vidas, pois ela trabalha de dia e ele à noite; além disso, embora carinhoso com as crianças, ele é meio vulgar. A amiga e vizinha fofoqueira, Eminè (Serra Yilmaz, em excelente interpretação), casada com um negro imigrante com filhos, parece louca para ver o circo pegar fogo e empurra Giovanna para o adultério com o elegante vizinho do outro lado da rua, Lorenzo. Giovanna e Lorenzo se observavam mutamente à noite, pelas respectivas janelas, e acabam se conhecendo quando Giovanna tenta resolver o caso do velho desmemoriado e que Filippo hospedara temporariamente.
Quando Giovanna se torna mais tolerante com seu hóspede e até aceita dançar com ele (imaginando fazê-lo com Lorenzo) vai se tornando também mais simpática aos espectadores. Logo é ela, não mais Filippo, quem se empenha em ajudar o velho e esclarecer o mistério que envolve sua pessoa, seu passado; e isso a encorajará até mesmo a mudar de profissão, a seguir a sua vocação de confeiteira. O adultério, enfim, é mostrado mas não enaltecido; Giovanna afinal reconhece que o seu lugar é com a família. Lorenzo, algo misterioso, é o sedutor efêmero, que surge e desaparece. Mesmo sem amar muito o marido, Giovanna aprende a aceitá-lo com seus defeitos: ela cresce ao longo do filme, o seu lado bom a engrandece no final.
Um filme que merece atenção.
"Todos aqueles que se vão sempre deixam um pouco de si? É este o segredo da memória? Se é assim... me sinto mais segura... pois sei que jamais estarei sozinha.”
(Giovanna)
Rio de Janeiro, 24/12/2017.
VIDAS QUE SE CRUZAM
Miguel Carqueija
Resenha do filme “A janela da frente” (La finestra di fronte) – Itália, 2003; co-produção anglo-turco-portuguesa. Produção: Tilde Corsi e Gianni Romoli. Roteiro: Gianni Romoli e Ferzan Ozpetek. Direção: Ferzan Ozpetek. Fotografia: Gianfilippo Corticelli. Música: Andrea Guerra.
Personagens e elenco:
Giovanna....................Giovana Mazzogiorno
Filippo........................Filippo Nigro
Lorenzo......................Raoul Bova
Davide........................Massimo Girotti
Eminè.........................Serra Yilmaz
“Não se contente em sobreviver. Você deve viver num mundo melhor, não apenas sonhá-lo. Eu não consegui.”
(Davide)
Servido por uma boa trilha musical (que inclui as vozes de Nada em “Ma che freddo fa”, Guadalupe Pineda e Los Tres Ases (História de um amor) Mina (Chiuahua) este filme é um interessantíssimo drama humano onde o passado se entrelaça com o presente e a vida de uma mulher de classe média baixa se transforma através de uma sucessão de acontecimentos extraordinários. A personagem dominante é Giovanna — lindamente interpretada pela atriz que é quase sua xará. O enredo aborda assuntos delicados: adultério, homossexualismo, imigrantes, relações conjugais. Pega ainda os traumas deixados pela II Guerra Mundial.
Giovanna é uma personagem fascinante. De início dá a impressão de uma mulher implicante, mal-humorada, que briga constantemente com o marido Filippo e tem problemas até com os filhos pequenos Martina e Mario: quando fala em bater na menina, esta ameaça denunciá-la. Giovanna também se mostra intransigente quando Filippo se interessa pela sorte de um senhor octogenário que perambulava desmemoriado pela rua (Massimo Girotti em sua última e brilhante atuação, pois morreu antes da estreia da película) e que diz chamar-se Simone (mais tarde descobre-se que seu nome de fato é Davide).
Os problemas entre Giovanna e Filippo em grande parte devem-se ao desencontro de suas vidas, pois ela trabalha de dia e ele à noite; além disso, embora carinhoso com as crianças, ele é meio vulgar. A amiga e vizinha fofoqueira, Eminè (Serra Yilmaz, em excelente interpretação), casada com um negro imigrante com filhos, parece louca para ver o circo pegar fogo e empurra Giovanna para o adultério com o elegante vizinho do outro lado da rua, Lorenzo. Giovanna e Lorenzo se observavam mutamente à noite, pelas respectivas janelas, e acabam se conhecendo quando Giovanna tenta resolver o caso do velho desmemoriado e que Filippo hospedara temporariamente.
Quando Giovanna se torna mais tolerante com seu hóspede e até aceita dançar com ele (imaginando fazê-lo com Lorenzo) vai se tornando também mais simpática aos espectadores. Logo é ela, não mais Filippo, quem se empenha em ajudar o velho e esclarecer o mistério que envolve sua pessoa, seu passado; e isso a encorajará até mesmo a mudar de profissão, a seguir a sua vocação de confeiteira. O adultério, enfim, é mostrado mas não enaltecido; Giovanna afinal reconhece que o seu lugar é com a família. Lorenzo, algo misterioso, é o sedutor efêmero, que surge e desaparece. Mesmo sem amar muito o marido, Giovanna aprende a aceitá-lo com seus defeitos: ela cresce ao longo do filme, o seu lado bom a engrandece no final.
Um filme que merece atenção.
"Todos aqueles que se vão sempre deixam um pouco de si? É este o segredo da memória? Se é assim... me sinto mais segura... pois sei que jamais estarei sozinha.”
(Giovanna)
Rio de Janeiro, 24/12/2017.