Viridiana (Idem, Luis Buñuel, Espanha, 1961)
Viridiana foi produzido em 1960, após o General Franco mandar o Ministro da Cultura convidar Luis Buñuel, o maior cineasta espanhol da época, voltar ao seu país de origem depois de anos de exílio no México. Buñuel poderia fazer o filme que quisesse, sem a intervenção do Estado ou qualquer outra entidade social, porém, assim que o filme foi terminado e exibido, as autoridades empenharam-se em queimar todos os negativos que encontraram do mesmo. O filme foi banido imediatamente da Espanha e artigos no l'Osservatore Romano, o órgão oficial do Vaticano, condenaram o filme como um “insulto não apenas ao Catolicismo, mas um insulto ao Cristianismo em geral”. Era exatamente esta a expectativa de Buñuel, que a esta altura da vida, já havia perdido toda a fé na Igreja e demonstrava-se um fervoroso e ativista ateu.
Viridiana, interpretada por Silvia Pinal, é uma jovem noviça prestes a tornar-se uma freira. Ela é tão devota a suas crenças que chega a usar uma coroa de espinhos, e uma grande cruz de madeira repousa na parede sobre sua cama. Porém, quando seu tio Don Jaime, interpretado por Fernando Rey, fica doente, sua compaixão fala mais alto e ela resolve sair um pouco do convento e ir visitá-lo. No entanto, seu tio demonstra-se como um pervertido e tenta fazer com que ela torne-se sua esposa de todas as maneiras. Após algumas tentativas frustradas, ele manda que sua serviçal drogue Viridiana, e assim que ela acorda, ele a diz que a desvirginou, que agora ela não poderia voltar ao convento e que sua única escolha seria casar-se com ele. Mesmo assim, ela não aceita e demonstra-se fiéis a seus princípios. Como num ato de redenção, Don Jaime suicida-se e deixa com ela e seu primo Jorge a mansão.
A partir daí, todo o filme contrói-se em cima das questões morais de Viridiana, que acredita não ser mais pura para voltar ao convento e precisa demonstrar sua fé de outras maneiras. Sendo assim, ela vai até a cidade em busca de mendigos e pessoas sem expectativas de dias melhores, em um ato muito mais auto-piedoso e egoísta para com sua fé do que altruísta e de boa vontade. A cena em que ela recolhe os mendigos – um mais feio ou deformado que o outro – e todos eles cantando contentes no caminho para a mansão, contrasta completamente com as ações que os mesmos têm depois que já estão instalados no local. Apesar de ela querer que todos eles sejam úteis e trabalhem, eles têm idéias diferentes e preferem apenas comer e viver às custas dela.
É interessante notar como os costumes confrontam-se nesse momento, e toda a formação moral-religiosa dela mostra-se ineficiente e pífia para resolver o problema dos mendigos, que sequer escutam suas lições. Isto fica bem claro na sequência em que Buñuel genialmente compara carpinteiros trabalhando na mansão e os mendigos e Viridiana no campo rezando. Enquanto podemos ver o trabalho dos carpinteiros concluído, e os mesmos recompensados por isso, Viridiana e os outros apenas terminam a prece e voltam para a mansão, deixando o campo vazio do mesmo jeito que estava antes. Impossível não lembrar-me da frase “Duas mãos trabalhando fazem mais do que mil rezando”, que, tenho certeza, também estava na cabeça de Buñuel.
Outros simbolismo memorável ocorre quando Viridiana precisa sair e deixar a propriedade apenas com os moradores de rua, que aproveitam a oportunidade para esbanjarem-se nas extravagâncias burguesas. Nota-se até mesmo que eles possuem bom gosto e conhecimento dos costumes dos mesmos: usam toalha de mesa de linha francesa, comem lagosta e ouvem Messias de Haendel no gramofone, resultando na famosa cena em que os mendigos tiram uma foto na mesma pose dos discípulos de Jesus, na Santa Ceia. Assim que Viridiana e seu primo retornam, encontram a casa toda revirada e são atacados pelos mendigos.
Isto, sugere Buñuel, é o que acontece com os santos – suas virtudes são jogadas de volta na cara deles. As pessoas, e o mundo, não podem ser mudados, e aceitar os fatos é o único caminho. Tentar mudar pessoas já corrompidas pela pobreza da sociedade não funciona, na visão dele. A bondade e a necessidade, a aparência e a realidade, o trabalho e a reza, a Igreja e o indivíduo, tudo isto é posto em prova através dos simbolismos de Buñuel durante o filme.
Vale ressaltar que depois de todos estes conflitos, os mendigos são obrigados a ir embora e permanecem na mansão apenas uma (aparentemente) nova Viridiana, olhando-se no espelho vaidosamente, seu primo Jorge e a namorada dele. Na cena final, vemos os três jogando cartas na mesa do quarto e a eroticidade da cena deixa implícito um ménage à trois, simbolizando que mesmo após todo o esforço de Viridiana em permancer pura e alheia à sociedade, ela acabou tornando-se apenas mais um fruto dos costumes modernos.