Os 50 anos de "La feldmarescialla"

OS 50 ANOS DE “LA FELDMARESCIALLA”
Miguel Carqueija


Resenha do filme “La feldmarescialla” (A marechalíssima). Fida Production Cinematografica, Roma, Itália, 1967. Produção: Edmondo Amati. Co-produção: Jacques Roitfeld, Paris, França. Roteiro e argumento: Castellano e Pipolo. Direção: Steno. Fotografia: Riccardo Pallottini. Música: B. Pisano.

Elenco:

Rita........................................Rita Pavone
Major Peter Hawks................Jess Hahn
Professor Giovani Pineschi.....Terence Hill
Capitão Hans Vogel...............Francis Blanche
Major Kurt von Braun............Aroldo Tieri
Padre.....................................Teddy Reno

Canções interpretadas por Rita Pavone:

Rosamunda (Nisa-Vojovda)
Caminnando sotto la pioggia (Caminhando na chuva) (Frustaci-Macario-Rizzo)
Non dimenticare le mie parole (Não esqueça as minhas palavras) (D’Anzi-Bracchi)
Pippo non lo sa (Pippo não sabe) (Kramer-Rastelli-Panzer)

(gravações da editora Ricordi)


Rita Pavone, um dos maiores fenômenos musicais de todos os tempos, dona de voz milagrosa e presença cênica impressionante, estrelou diversas comédias no cinema, televisão e teatro. Esta “La feldmarescialla”, comédia de guerra, é esfuziante, insólita e repleta de cenas hilariantes. Impossível não assistir com interesse.
A história passa-se na Florença de 1944 quando, após a queda de Mussolini, parte da Itália fôra ocupada por tropas alemães nazistas. Tudo gira em torno de três personagens que, por uma fatalidade do destino, precisam fugir interminavelmente dos soldados nazistas: a jovem e brejeira estalajadeira Rita (Rita Pavone), o esfomeado e corpulento aviador norte-americano cujo aparelho foi derrubado, Major Hawks (Jess Hahn) e o excêntrico inventor, Professor Giovani Pineschi (Terence Hill) que inventou um torpedo capaz de provocar chuva. Hawks, com uma batina arranjada num convento, conseguira fazer-se passar por padre, mas o Capitão Hans Vogel, ao saber do projétil do professor (hospedado, como Pineschi, na “La Forchetta” de Rita) ordenou sua apreensão para utilização dos nazistas e detenção de Giovani e das duas pessoas que estavam com ele. Assim começa a louca fuga do trio.
Rita Pavone é de per si engraçadíssima e domina o elenco. É hilária, por exemlo, a cena em que o trio se disfarça como oficiais nazistas e se vê numa festa; Rita se vê obrigada a dançar com uma mulher muito mais alta que se mostra afim dela (pensando, é claro, que é um homem) e lhe sussurra: “Vou lhe contar um segredo: quarenta e sete... quarenta e sete.” Fazendo-se de desentendida (pois era o número do quarto da sirigaita) Rita responde: “Tudo isso? Pensei que fosse mais nova!”
O Major Hawks, gordo e corpulento, que ora se disfarça de frade, ora de oficial alemão, vive esfomeado. Logo na primeira cena, sobrevoando como espião a região ocupada, come um sanduíche ao mesmo tempo em que pilota o avião. Provavelmente isso era contra o regulamento.
Terence Hill é que não tem muita graça, a sua única vantagem na história é o torpedo fazedor de chuva do personagem, que ajuda em duas cenas.
Já o Capitão Vogel é engraçadíssimo, gritando “Sabotagem!” cada vez que as coisas vão mal e desesperando-se quando os seus carros são sucessivamente destruídos na caça aos fugitivos.
O Major Kurt, azarado e no fundo bom sujeito, também é bastante engraçado.
Detalhe curioso é a presença de Teddy Reno, cantor e ator, sendo ele o descobridor e empresário de Rita Pavone e na época seu noivo. Casaram-se no ano seguinte e estão casadosa até hoje. Teddy interpreta o padre que “casa” Rita e Giovano, disfarçados em camponeses, para despistar os nazistas.
Tudo é interessante nessa comédia vivaz e que prende a atenção do princípio ao fim. Uma obra-prima do cinema italiano, ornada com o charme hiper-talentoso de Rita Pavone.
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Infelizmente resta falar de um fato desagradável. A película em questão é de 1967 mas só chegou ao Brasil em 1979, portanto com grande atraso. Nesse ínterim o ator Terence Hill (Mario Girotti) tornara-se mais conhecido, já nos anos 70, pelo personagem Trinity, que interpretou em dois — e creio que somente dois — faroestes cômicos (naquele tempo produziam-se muitos faroestes na Itália). O sucesso desse personagem levou os distribuidores no Brasil a colocar o nome Trinity em tudo quanto era fita com o respectivo ator, mesmo não tendo mais nada a ver com o personagem.
Desse modo até com “La feldmarescialla”, que é de produção anterior à bilogia Trinity, colocaram “Trinity vai à guerra”, um absurdo completo, levando-se em conta ainda:
— O título original refere-se a uma figura feminina “”la”). Aliás ela é chamada assim no título porque Rita chega a se disfarçar de Hitler para conseguir escapar (que soldado nazista iria deter Hitler?)
— O primeiro nome do elenco que aparece na tela é Rita Pavone. Terence Hill é o terceiro, antes dele vem Francis Blanche.
— Rita, como em outros filmes que fez, interpreta uma personagem chamada Rita, aliás essa é a tradição dos grandes comediantes: Lloyd, Keaton, Chaplin, Laurel & Hardy, Lucille Ball, Chase, os Três Patetas.
— Rita pavone interpreta cinco canções na trilha sonora.
Fica claro portanto que o filme foi feito para ela. Uma idiotice dar tal ênfase a Terence Hill; ele próprio, creio, não teria aprovado. E para completar a versão exibida nos cinemas brasileiros sofreu o corte de quatro dos cinco números musicais, reduzindo consideravelmente o tempo de projeção e minimizando dessa forma a importância de Pavone na obra!
Resta dizer que na edição em DVD, saída muito mais tarde no Brasil, os números musicais foram recolocados; infelizmente o título bocó aqui impingido prevaleceu. Trata-se também este DVD, da edição em inglês, cujo título (visto nos créditos) ficou sendo “The crazy kids of war” (As loucas crianças da guerra), uma idiotice um pouco menor.

Rio de Janeiro, 2/3 de outubro de 2017.