ELEPHANT, 2003.
Fomos assistir a obra já conscientes de que se tratava de uma peça de “semi-ficção”, pois apesar de nada ali ser verdadeiro, de fato tudo foi inspirado num incidente americano de 1999, o “Massacre de Columbine”, numa respeitada instituição de ensino médio. Fiquei surpreso ao não detectar nenhuma referência direta ao longo de toda a película – se bem que bastam dois jovens com convicções hitleristas e acesso a armas para todos perceberem do quê se está falando...
O inacreditavelmente paciente trabalho de câmera, com a mesma cena repetida exaustivas vezes de um ângulo diferenciado, visando a mostrar o cotidiano de cada personagem secundário separadamente, com certeza abismou a mim e todos meus colegas de classe. Ao invés de “chatear” como seria mais fácil pensar, essas tomadas parcialmente idênticas mantêm todos os olhos ininterruptamente grudados.
Por que esse “secundários”? Optou-se por não haver nenhum personagem principal, nem os autores nem quaisquer vítimas do massacre. Preferiu-se por retratar pela mesma quantidade de tempo cerca de uma dezena de personagens, que independentemente de sua personalidade ou de seus atos, é basicamente de estudantes. É essa a visão que se quer passar: simples adolescentes no fim do ciclo dos estudos e em breve chegando a um mercado de trabalho voraz.
Outro fator que me chamou a atenção é a existência de alguns momentos “morosos” que, acho eu, é algo proposital: ao mostrar alunos percorrendo enormes corredores lenta e silenciosamente e aquele trecho instrumental com música clássica no piano, por exemplo, o diretor parece querer dar um tempo para que os expectadores reflitam sobre o que estão vendo, façam a digestão daquilo que assistem, tudo isso porque, apesar de parecer um enredo simples, Elephant passa uma mensagem a cada pequena cena, é totalmente carregado de significados.
Tamanha riqueza foi efetivamente enxergada pelos críticos de cinema mundialmente, pois Elefante ganhou a Palma de Ouro em Cannes 2003; na verdade, duas (melhor filme e direção). Um dado curioso é que antes, ainda tentando captar dinheiro para o idealização do projeto, o diretor Gus Van Sant peregrinou por muitas redes e estúdios, sempre recebendo um “não” como resposta. Eis que um executivo da HBO aceitou bancar, mas com a condição de que fosse uma obra ficcional, sem o termo “Columbine” explícito. Daí é que vem o estranho nome escolhido, uma referência a um documentário homônimo de Alan Clarke (em verdade, curta-metragem, de 1989) sobre a violência religiosa na Irlanda do Norte (Um elefante numa sala de estar, não ocuparia todo o espaço da família? Não é um problema fácil de ignorar, o do bullying!).
Há um depoimento do diretor premiado dizendo por que escolheu a perspectiva de detrás dos personagens, na altura do ombro. A resposta? Mais simples impossível: antes ele tentara pela frente e pelos lados, mas não fôra feliz.
Os intérpretes são, surpreendentemente, atores amadores. São todos da cidade-natal de Van Sant (opa, descobrimos que ele não é holandês, a despeito do sobrenome!), Portland, estado de Oregon. E não é a primeira vez que atuam tão maravilhosamente bem: têm no currículo trabalhos como Garotos de Programa e Gênio Indomável. O diretor disse que é bastante inclinado a trabalhar com adolescentes por achar que é esse o período da vida mais importante, quando moldamos nossa personalidade.
Por fim, quando Van Sant é perguntado sobre as semelhanças com Tiros em Columbine, famoso documentário de Michael Moore, traça um paralelo diferente do que se imaginaria, dizendo que o objetivo do seu colega de profissão era resolver o enigma das atrocidades em escolas estadunidenses. Já Elephant aborda um tema mais descomplicado e interessante: só o durante, sem a origem ou o depois. Quem quiser que os busque em outro lugar!
Agradecimentos a Carlos Augusto Brandão, que me subsidiou com informações técnicas em sua resenha.