LOGAN – Resenha crítica do filme (com spoilers)
Ano de produção: 2017
Direção: James Mangold
Elenco: Hugh Jackman / Patrick Stewart / Dafne Keen
Sinopse:
Em 2029, o mutante Logan (Hugh Jackman, em sua última atuação no papel de Wolverine), agora com seu fator de cura debilitado, procura viver uma vida pacata cuidando secretamente de seu antigo mentor, o professor Xavier (Patrick Stewart), um mutante com poderes telecinéticos e que agora sofre de demência. Quando a pequena mutante X-23 (Dafne Keen) precisa fugir de mercenários a serviço de um laboratório de experimentos com mutantes, Logan se vê forçado a ajudá-la a cruzar o país, levando junto seu idoso mentor.
Resenha crítica do filme (com SPOILERS):
Sobre o título
Depois dos filmes solo “X-Men origens: Wolverine” (2009), e “Wolverine - Imortal” (2013), LOGAN conclui a trilogia retratando o drama de como deve ser para alguém tentar viver o resto da vida normalmente após tê-la vivido como um herói. E é proposital que o filme receba o título de LOGAN, pois após cumprir sua jornada no mundo, o que sobra ao herói é a pessoa; após ter vivido como Wolverine, o que lhe resta é ser apenas Logan. E esta é a primeira honestidade do filme, seu título. Não é um filme sobre o herói Wolverine, é um filme sobre a pessoa humana de Logan.
Honestidade do início ao fim, do título à última cena. LOGAN é o filme mais honesto que você verá sobre super-heróis até hoje. Diferente de qualquer filme de super-heróis, o filme não trata de superpoderes, mas sim de nossas fragilidades humanas.
É um filme sobre nossas fragilidades
É surpreendente como o filme quebra o estereótipo do super-herói sobre-humano, incansável e invencível. Em LOGAN, os super-heróis estão fragilizados.
A primeira fragilidade que assistimos com enorme estranheza é a do próprio protagonista. Logan, um mutante com o poder se regenerar de qualquer ferimento, inclusive prolongando sua vida regenerando suas células, encontra-se agora envelhecido, com o corpo castigado por cicatrizes, e desprovido da agilidade do passado. Em seguida, testemunhamos – com certo humor, mas que logo se converte em comoção e empatia – um professor Xavier extremamente idoso e caduco, vivendo à base de remédios e isolado do contato com as pessoas.
E essa é a primeira grande sacada do filme. Com poucos “E se...?” para se explorar depois de tantos filmes sobre os X-Men, o roteiro explora não uma, mas duas geniosas possibilidades logo de cara. A primeira é: “E se o professor Xavier sofresse de demência em seus últimos anos de vida? Quão perigoso seria para as pessoas ao redor se o poder de matar apenas com a força do pensamento estivesse fora de controle?”. Sua enfermidade, uma analogia também à doença de Alzheimer, o faz esquecer os atos que cometera durante seu descontrole, e fazendo-o inclusive duvidar das intenções de seu leal cuidador, Logan, tomando-o por uma decepção, que apenas espera que ele morra para poder tornar a viver sem esta responsabilidade. Dói em nós quando Logan ouve isso de Xavier, assim como dói em cada cuidador quando um enfermo com doença de Alzheimer se torna violento e esquecido de toda a dedicação que sua família lhe presta. Sofremos por Logan e sofremos por Xavier. O filme não esquece nem mesmo do detalhe de como deve ser difícil o cotidiano dos dois nas mínimas necessidades fisiológicas, como na breve cena sutil e comovente, tão cômica quanto trágica, em que Xavier precisa usar o banheiro e Logan precisa acomodá-lo no vaso sanitário e esperar na porta que ele termine suas necessidades para limpá-lo. Foi de uma sensibilidade impagável.
O segundo “E se...?” genial do roteiro é a grande sacada para explicar que um dia Logan também morrerá: “E se o metal inserido no corpo de Wolverine para que ele se tornasse indestrutível começasse a interferir em seu fator de cura, debilitando seu corpo e, por fim, matando-o?”. É convincente, sem precisar de qualquer explicação extra. O terceiro “E se...?” do roteiro também é muito convincente: “E se a ameaça aos mutantes não fosse uma guerra contra humanos e sim o controle dos poderes mutantes através de manipulação genética para fins militares?”. De fato, imagine se no mundo realmente nascessem pessoas com superpoderes. Elas seriam temidas e rejeitadas apenas pelo cidadão comum, mas é óbvio que seus poderes mutantes seriam desejados, estudados e replicados para fins militares. E é aí que entra a criança Laura, codinome X-23, um clone de Wolverine. Criada para ser uma arma mortífera, Laura (Dafne Keen em uma atuação impecável, revelando uma excelente carreira de atriz pela frente) deve aprender com Logan a controlar seus impulsos e a se tornar mais humana. Logan sabe que sua vida não pode ser mais redimida. Suas falhas foram muitas. Mas assim como uma geração tem a chance de redimir seu passado depositando sua esperança nas gerações seguintes, Logan deposita em Laura, sua “filha”, a chance de ter uma vida diferente da sua: “Não seja o que fizeram de você”, ele diz a ela em seu derradeiro momento psicanalítico.
É um filme sobre morte
Tem muita morte no filme. Muita mesmo. Só Logan e Laura estripam, decapitam e mutilam dezenas de vilões. E é chocante ver uma criança matando pessoas como se fosse um animal, mas isso não aparece na trama como violência gratuita. Wolverine e X-23 foram criados e treinados como máquinas de matar e o mais honesto é que matem violentamente qualquer um que os ameace. Outras crianças mutantes, criadas com Laura, têm igualmente sua cota de matança quando são perseguidos e isso também é plausível porque eles também foram treinados para isso.
Mas o grande carrasco dos protagonistas, o verdadeiro antagonista do filme, e também uma grande reviravolta para o espectador, é a aparição da arma X-24, um clone de Wolverine adulto. Ele vem representar simbolicamente a sombra de Logan; ele é a verdadeira máquina de matar para a qual Logan fora criado; sem remorso ou consciência, ele só obedece ao cientista que o criou, e mata sem descanso qualquer um que cruzar o seu caminho. X-24, essa representação do lado sombrio do próprio Logan e contra o qual ele lutou a vida toda, é responsável pelas mortes mais dramáticas do filme. Além de matar uma família inocente, X-24 mutila o professor Xavier enquanto este pensava estar confessando seus sentimentos para Logan, em uma cena comovente, tanto quanto à cena em que Xavier morre em seguida nos braços de Logan. “Salve a Laura”, diz Xavier à Logan, antes de morrer. Xavier não estava se referindo somente à Laura como pessoa, mas à Laura como símbolo da pureza e esperança de Logan e que sua parte sombria queria matar. Xavier morre para Logan porque o velho sábio precisa passar seu manto adiante. Sua missão fora cumprida.
É com a inserção de X-24 na trama que o filme nos apresenta de maneira inédita a condição psicológica de todos nós. Tanto Logan, como Laura, como X-24 são a mesma pessoa. Eles são cada um de nós também. Logan representa o self atormentado pelos traumas do passado. X-24 representa o lado mais animal e sombrio de nós mesmos, que só deseja satisfazer seus instintos. E Laura representa nossa criança interior, totalmente livre para ser condicionada ou para o mal ou para o bem.
X-24 também termina sendo o responsável pela morte do próprio Logan – só um Wolverine poderia matar outro Wolverine. Após várias cenas de luta em que o velho Logan enfrenta seu lado mais brutal representado por X-24, Logan morre empalado entre as costelas em um tronco de árvore. X-24, o lado sombrio de Logan, o derrotou, mas é por sua vez derrotado por Laura, o lado esperançoso e puro de Logan. Em seus últimos minutos de vida, Logan encontra seu lado mais humano consolando Laura, sua “filha”, que implora dramaticamente para que ele não morra. Mas Logan já havia dito para Laura, e para nós, enfatizando como é a vida real enquanto segurava um gibi dos X-men em cenas anteriores: “Na vida real pessoas morrem”.
Claro que nós espectadores também não queremos que Wolverine morra. Mas a maior honestidade do argumento do filme é que os heróis precisam morrer para que nós evoluamos e sejamos heróis de nós mesmos também. Na última cena, ao redor do túmulo de Logan, as crianças mutantes, agora a salvo, têm todo um futuro pela frente, com a responsabilidade de fazerem suas próprias escolhas, em seu caminho pessoal de individuação: “Não seja o que fizeram de você”. A câmera vai se aproximando das pedras que cobrem o túmulo. O espectador mais resistente e apegado aguardará que alguma pedra se mova, que alguma garra de metal emerja das profundezas, anunciando que o herói não morreu. Mas os heróis têm que morrer. A câmera se aproxima das pedras. Nada acontece. O herói está morto. A tela escurece. É o fim da vida. Sem cena pós-crédito. Não há pós-crédito. A história acabou, a história mais honesta de todos os filmes de herói. E devemos ser gratos ao filme por essa dolorosa lição. Assim como a personagem Laura, somos ainda crianças em nossa caminhada, e precisamos mortificar nosso passado – esse nosso eu que nos impede de crescer – para evoluirmos e amadurecermos por conta própria, para sermos heróis de nossa própria história, porque “não há como voltar. Certo ou errado, essa é a nossa marca. Uma marca que se gruda. Agora, corra para casa e diga que está tudo bem. Não há mais armas no vale”.