Walt Disney e o cavaleiro sem cabeça
Miguel Carqueija
Resenha do filme “A lenda do cavaleiro sem cabeça” – Estados Unidos, 1949. Título original: “The legend of Sleepy Hollow”. Produção: Walt Disney. Direção: James Algar, Clyde Geronimi e Jack Kinney. Roteiro de Erdman Penner, Joe Rinaldi e Wiston Hibler, com base na história de Washington Irving, “The legend of Sleepy Hollow”. Música: Oliver Wallace. Narração e canções: Bing Crosby. Efeitos de animação: George Rowley. Efeitos especiais: Ub Iwerks. Animação: Frank Thomas, Ollie Johnston, John Lousbery, Wolfgang Reitherman, Milt Kahl, Ward Kimball, Fred Moore, Harvey Toombs, John Sibley, Hal King, Hal Ambro.
Este genial desenho animado de média-metragem foi inicialmente lançado nos cinemas junto com o do Sr. Sapo, formando uma pequena longa-metragem. É simplesmente maravilhoso, uma história que começa cômica e burlesca e deriva para uma longa e emocionante sequência de terror.
Tudo gira em torno de Ishabod Crane, o esquisoto professor primário que chega um belo dia à aldeia de Sleepy Hollow (Caverna Adormecida), há mais de dois séculos. O cantor Bing Crosby (na época da produção, talvez o mais importante cantor norte-americano) narra com minúcias a memorável chegada do professor viajante, o espanto que ele causou a todos, a atração que desde o início exerceu sobre as mulheres, e a perplexidade de Brom Bones, que o chama de “assombração”.
Muito alto e magro, disforme, feio, com pés enormes, orelhas e nariz descomunais, desengonçado, parecia um cruzamento de gafanhoto com macaco. E contudo, as zombarias de Brom Bones — o valentão e bonitão do lugar — não o abalavam. Adulador das mulheres em troca de favores culinários, cínico, sonso, hipócrita, Crane acaba se revelando um caçador de dotes ao cortejar Katrina, a bela filha do mais rico fazendeiro da região, o Sr. Matheus Van Tessel. Só que a mesma é cortejada também por Brom Bones.
Na maior parte da projeção este desenho de média-metragem é cômico; mais para o fim, porém, na noite de Halloween, assume o aspecto de terror. É quando Brom Bones, em pleno baile na casa de Van Tessel, e visando aterrorizar seu rival no amor, começa uma cantoria a respeito do “cavaleiro sem cabeça”, o terrível fantasma que assombrava a região.
Esta cena, aliás, é genial.
...............................
Todo o humor do desenho converge então rapidamente para o pavor. A cena da caverna vegetal — a floresta como que se fechando por trás de Ichabod Crane e seu cavalo de empréstimo — pode também ser considerada antológica, bem como o estado de hipersensibilidade a ruídos e visagens da noite que se apossa do professor, levando-o com rapidez ao terror histérico.
O final de “A lenda do cavaleiro sem cabeça” é inconclusivo. Várias interpretações são possíveis, inclusive a mais óbvia, que poderia ser alcançada por qualquer investigador criminal. O caráter ambíguo dos personagens — a canalhice de Ichabod Crane, o ciúme primário de Brom Bones, até mesmo o temperamento menipulador e caprichoso de Katrina, que alegremente joga um contra o outro — mostra que se trata de uma história sem heróis, um triste retrato da natureza humana.
Rio de Janeiro, 29 de abril a 6 de maio de 2014.
(imagem do filme - Estúdios Disney)
Miguel Carqueija
Resenha do filme “A lenda do cavaleiro sem cabeça” – Estados Unidos, 1949. Título original: “The legend of Sleepy Hollow”. Produção: Walt Disney. Direção: James Algar, Clyde Geronimi e Jack Kinney. Roteiro de Erdman Penner, Joe Rinaldi e Wiston Hibler, com base na história de Washington Irving, “The legend of Sleepy Hollow”. Música: Oliver Wallace. Narração e canções: Bing Crosby. Efeitos de animação: George Rowley. Efeitos especiais: Ub Iwerks. Animação: Frank Thomas, Ollie Johnston, John Lousbery, Wolfgang Reitherman, Milt Kahl, Ward Kimball, Fred Moore, Harvey Toombs, John Sibley, Hal King, Hal Ambro.
Este genial desenho animado de média-metragem foi inicialmente lançado nos cinemas junto com o do Sr. Sapo, formando uma pequena longa-metragem. É simplesmente maravilhoso, uma história que começa cômica e burlesca e deriva para uma longa e emocionante sequência de terror.
Tudo gira em torno de Ishabod Crane, o esquisoto professor primário que chega um belo dia à aldeia de Sleepy Hollow (Caverna Adormecida), há mais de dois séculos. O cantor Bing Crosby (na época da produção, talvez o mais importante cantor norte-americano) narra com minúcias a memorável chegada do professor viajante, o espanto que ele causou a todos, a atração que desde o início exerceu sobre as mulheres, e a perplexidade de Brom Bones, que o chama de “assombração”.
Muito alto e magro, disforme, feio, com pés enormes, orelhas e nariz descomunais, desengonçado, parecia um cruzamento de gafanhoto com macaco. E contudo, as zombarias de Brom Bones — o valentão e bonitão do lugar — não o abalavam. Adulador das mulheres em troca de favores culinários, cínico, sonso, hipócrita, Crane acaba se revelando um caçador de dotes ao cortejar Katrina, a bela filha do mais rico fazendeiro da região, o Sr. Matheus Van Tessel. Só que a mesma é cortejada também por Brom Bones.
Na maior parte da projeção este desenho de média-metragem é cômico; mais para o fim, porém, na noite de Halloween, assume o aspecto de terror. É quando Brom Bones, em pleno baile na casa de Van Tessel, e visando aterrorizar seu rival no amor, começa uma cantoria a respeito do “cavaleiro sem cabeça”, o terrível fantasma que assombrava a região.
Esta cena, aliás, é genial.
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Todo o humor do desenho converge então rapidamente para o pavor. A cena da caverna vegetal — a floresta como que se fechando por trás de Ichabod Crane e seu cavalo de empréstimo — pode também ser considerada antológica, bem como o estado de hipersensibilidade a ruídos e visagens da noite que se apossa do professor, levando-o com rapidez ao terror histérico.
O final de “A lenda do cavaleiro sem cabeça” é inconclusivo. Várias interpretações são possíveis, inclusive a mais óbvia, que poderia ser alcançada por qualquer investigador criminal. O caráter ambíguo dos personagens — a canalhice de Ichabod Crane, o ciúme primário de Brom Bones, até mesmo o temperamento menipulador e caprichoso de Katrina, que alegremente joga um contra o outro — mostra que se trata de uma história sem heróis, um triste retrato da natureza humana.
Rio de Janeiro, 29 de abril a 6 de maio de 2014.
(imagem do filme - Estúdios Disney)