O filme forma um círculo, no fim vêem-se imagens que estiveram no princípio. No fim está a chave, quanto a mim, para compreender a história: o filho. Little Man, expressão inglesa que se ouve misturada no idioma sueco. O pequeno homem. O filho do homem. O que vai continuar vivo. Numa legenda final Andrei Tarkovski diz: “este filme é dedicado ao meu filho Andrioscha. Com esperança e confiança.” Como explica Pedro Mexia na sua crónica “A Salvação do Mundo” do seu “Cinemateca”, o filho do realizador estava ainda nesta altura retido na URSS. E esta é a chave. O carteiro Oto, no início do filme, traz um quadro que é um antigo mapa da Europa, muito pesado e valioso, ao personagem principal. E explica que um presente tem sempre de envolver um sacrifício. Algo que imprime significado ao que se dá. Por isso gosto muito da palavra sueca “Offret” que em português significa sacrifício mas que soa a “Oferta”. Esta é a história do sacrifício que um pai faz para oferecer a vida ao filho. O pai abdica da sua vida, da sua felicidade, do contacto com a sua família para que o filho tenha direito à dele. O pretexto do mundo à beira da extinção por via da guerra nuclear é apenas isso: um pretexto. Se o pai encontra um método, um ritual, uma fé para salvar o Mundo o que importa é salvar o Mundo para o oferecer ao Little Man. Salvar o Mundo é salvar o filho, salvar a continuação da espécie, salvar a vida, triunfando sobre a morte. No princípio desta história o pai conta a seguinte história ao rapaz: “Há muito tempo atrás vivia num mosteiro Ortodoxo um velho monge chamado Pamve. Uma vez ele plantou uma árvore estéril no sopé de uma montanha. Disse ao seu jovem discípulo Ioann Kolov que devia regar a árvore todos os dias até que ela voltasse à vida. Todas as manhãs Ioann enchia um balde de água, saía, subia a montanha e regava a árvore. Quando escurecia voltava ao mosteiro. Fez isto durante três anos. E um dia subiu à montanha e viu a árvore coberta de rebentos.” Para Tarkovski regar a árvore é fazer um filme. A fé é um acto. (Neste caso muitos...) E através da fé, da sua realização se modifica o Mundo (orar é agir). E por isso ele sente esperança e confiança. Ao fazer o filme muda o Mundo e traz o seu filho para perto de si. Sei que este foi o último filme de Andrei Tarkosvki. E que morreu nesse mesmo ano (1986).Se fosse vivo faria hoje, dia 4 de Abril, 82 anos. Não sei se voltou a ver o filho.