"Peggy Sue - Seu passado a espera" (Peggy Sue Got Married)

"Peggy Sue - Seu passado a espera" (Peggy Sue Got Married)



Um lance bem louco nesse delírio do Coppola, e note meu linguajar rebuscado, é que ela entra na jornada com duas ferramentas fundamentais. Primeiro, ela sabe que está numa trip intensa e volta e meia se pergunta: meu Deus, o que está acontecendo? Segundo, cada vez que se depara com alguém, ela se emociona e abraça esse alguém.

Ah sim, para quem não sabe, Peggy Sue fez uma viagem no tempo. Voltou um quarto de século. Caso os amantes do consciente, subconsciente e superconsciente sejam também apreciadores do entretenimento cinematográfico despretensioso, vão constatar de imediato que de certa forma Peggy carrega durante o passeio duas consciências - a da mãe de dois adolescentes, divorciada, coração partido e proprietária de uma padaria e da menina moça que frequenta o colégio e mora com os pais.

Kathleen Turner, Nicolas Cage, Jim Carrey, John Carradine,
Joan Allen, Sofia Coppola, Helen Hunt e mais uma lista considerável estrelam essa peça, por assim dizer, escrita pelo casal Jerry Leichtling e Arlene Sarner.

Directed by Francis Ford Coppola que, nesse filme, nos créditos iniciais, assina Francis Coppola.

O filme abre com o sobrinho do diretor - Nicolas Cage (nome artístico de Nicolas Kim Coppola) fazendo um comercial de oitava categoria para venda de aparelhos de vídeo cassete. Kathleen Turner (Peggy Sue) desliga a TV e termina de se arrumar para o baile comemorativo de 25 anos dos formandos de 1960. Lá ela sofre um piripaque e quando acorda está na enfermaria do colégio. Prestes a fazer 18 anos…

Começa a viagem. A chegada em casa, o seu quarto, a câmera passeia no modo subjetivo propiciando a cada espectador como seria essa turnê pelos fragmentos passados da existência, há um tonalidade no ar, a de que isso é inacreditável e há também um carinho colossal por toda e qualquer coisa que a cerca. Ela toca os objetos no aposento, abraça a mãe de um modo todo especial, a irmã pré adolescente aparece e ela quase chora de felicidade, a irmã (Sofia Coppola) pensa que Peggy endoidou, impossível refrear nesse instante - e esse perfaz um curioso mérito da obra - a sensação inequívoca de nossa ausência no presente que passa, inexorável.

Peggy vai até a sala e toma um goró, pensando alto: que se dane, devo estar morta mesmo.

A viagem continua. Dizer que duas consciências estão em ação talvez seja impreciso, mas, ora bolas, isso é uma resenha, o que se vê é uma mulher de 43 anos cujo casamento naufragou devido aos poleiros alheios em que o marido se imiscuiu, agora transitando de meias soquete, rabo de cavalo e cadernos no colo.

A escrita de Jerry Leichtling e Arlene Sarner contempla múltiplas questões conseguindo manter o trem nos trilhos o tempo todo, parece irrisório, basta tentar fazer para concluir que é um trabalho e tanto.

Peggy volta para uma vida em andamento, nada está estático, seu namorado apaixonado Nicolas Cage frequenta a sua casa, tem a estima de seus pais, trabalha em comércio familiar e canta num quarteto vocal.

Para os que viram a vida, vão se deparar com uma cena dura: Cage soube que ela foi dar um passeio de motocicleta na garupa de outro rapaz, se diz arrasado, Peggy não alivia, e ainda por cima desfaz o noivado. Ela já sabe o que vai acontecer. E diz pra ele: não largue os estudos, vá para uma faculdade, seus sonhos não vão dar certo e você passará a me culpar.

Quem viveu sabe. Quantos planos não se faz com 18 anos?

Idiotice supor que a temática central de Peggy Sue Got Married seja tão somente o cadinho de uma mulher que teve que se casar aos 18 anos por estar grávida e no decorrer do túnel encontrou rejeição.

Candidato a três Oscar em 1987, incluindo Melhor Atriz para Kathleen Turner, o trabalho de Coppola joga na teia das reflexões, além do resgate de anseios não consumados, um ingrediente atemporal: o amor. Não apenas entre homem e mulher. Cage a amava profundamente, o roteiro esclarece isso de modo inequívoco, ele apenas se atrapalhou na estrada. Entretanto, o amor que reveste a película é aquele que carregamos o tempo todo, somos portadores dele, ocorre que na montanha russa de nossa passagem pela Terra não raro o perdemos de vista.

Durante seu transe em 1960 toca o telefone e a mãe, na cozinha, pede para que ela atenda. Era a avó. Ao ouvir a voz do outro lado da linha Peggy engasga, perde a fala, praticamente senta no chão.

Ao se recompor ela diz: vó?

Seus olhos se enchem de lágrimas.

Por mais que se diga, e eis algo difícil de contestar, que o relacionamento mais importante que existe é consigo mesmo, imprimimos uns nos outros nosso maior legado - o afeto que espalhamos.

Algo que o tempo não apaga.








 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 01/09/2016
Reeditado em 16/06/2020
Código do texto: T5747170
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