Resenha sobre o documentário "Pro dia nascer feliz"

Para a realização da resenha proposta optei pelo documentário de João Jardim “Pro Dia Nascer Feliz”. De uma maneira bastante singela, tentei, por meio desta, fazer uma análise do documentário dando ênfase aos aspectos que me fizeram notar o planejamento e uma possível política educacional dentro de algumas situações ilustradas pelo vídeo.

Com o objetivo de tornar os argumentos que apresentei nesse texto mais convincentes, baseei-me constantemente na bibliografia considerada obrigatória e também em alguns outros referenciais teóricos.

A primeira imagem a aparecer no filme é a manchete de um jornal da década de 60 com o seguinte enunciado: “Na Cidade Sem Escolas Jovens Escolhem o Crime”. Com essa intencional primeira impressão, nota-se que o objetivo do diretor é mostrar que a educação no Brasil está a muito abandonada. Abandonada, no real sentido da palavra, em que se renuncia a função; em que os responsáveis pela mesma têm a tratado com tanto desleixo que esta ficou à deriva. Há casos (três destes constam na bibliografia a título de denúncia/curiosidade) em que as escolas não têm nem mesmo o básico – como acusa também o documentário.

Porém, mesmo a educação sendo um direito, e não um favor, ela não consegue se concretizar de maneira homogênea, como traz Cury em “Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença” quando escreve:

“Certamente que, em muitos casos, a realização dessas expectativas e do próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições sociais de funcionamento da sociedade em face dos estatutos de igualdade política por ela reconhecidos”. (CURY, 2002, p. 247)

E é exatamente nesse ponto que o documentário se mostra extremamente enfático. Ao mesmo tempo, relata o dia a dia de escolas públicas do país inteiro e de uma escola particular. Mesmo que esta comparação tenha sido feita apenas com uma escola particular, ela mostrou-se mais do que suficiente a título de estrutura, investimento e retorno. Neste contraste, o diretor nos faz enxergar qual o principal causador da desigualdade social.

Os pais colocam a criança em determinada escola. O futuro da criança estará, não exclusivamente, nas mãos da escola. Dependendo das condições desta determinada escola, a criança poderá ter algumas oportunidades e, assim, dar-se um futuro digno. Porém, se as condições dessa escola forem precárias, a criança terá dificuldade em adquirir conhecimento e até mesmo em motivar-se a lutar por seu próprio futuro, tornando a educação, dessa forma, a causadora de desigualdade social.

É neste momento que entra a função social do professor. Se a educação é, e mais enfaticamente a escola, responsável por determinar qual será o possível - possível porque a escola não é a única responsável pela educação da criança. Também os pais, o meio em que ela vive e todos aqueles com quem ela vai se identificar – futuro dessa criança, então as condições em que se encontra essa escola são essencialmente determinantes. Quem deve lutar por condições melhores da própria escola, é a comunidade escolar (incluindo professores, diretores, coordenadores, alunos e também pais). Cada qual lutando com aquilo que tem ao seu alcance. No caso dos professores, sua formação deve abraçar a instrução sobre leis e direitos, no que se refere à educação. Novamente peço auxílio a Cury, no texto já citado, para esclarecer o que escrevo.

Hoje cresceu, enfim, a importância reconhecida da lei entre os educadores, porque, como cidadãos, eles se deram conta de que, apesar de tudo, ela é um instrumento viável de luta porque com ela podem-se criar condições mais propícias não só para a democratização da educação, mas também para a socialização de gerações mais iguais e menos injustas. (CURY, 2002, p.247)

No que diz respeito ao direito a educação, encontro no documentário alguns aspectos que obedecem, ou não à Constituição Federal de 1988. Decerto que o que deve citar primeiro é que independente da regência da escola - municipal, estadual ou federal – a mesma é tutelada pela Constituição Federal. O capítulo III, que trata da educação, da cultura e do desporto, traz no artigo 206 a redação a seguir.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade.

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação e escolar pública, nos termos de lei federal.

Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Podemos notar incoerência entre lei e realidade no inciso I, quando o documentário mostra que os alunos não estão tendo um financiamento governamental para ter acesso à escola, uma vez que os únicos meios de transporte disponíveis para fazer o trajeto são raros ônibus que, na maioria das vezes, estão quebrados, não sendo disponibilizados outros para fazer o mesmo trajeto.

Seria incoerente dizer que o único problema no financiamento da educação é falta de dinheiro. Melhor seria dizer que é falta de investimento. E com investimento, me refiro também a políticas públicas. Falta de investimento nos cursos de graduação (licenciaturas e pedagogia), o currículo que deixa muito a desejar, tanto nos cursos de graduação (que são obrigados a pensar em alternativas viáveis, como a escolha de matérias optativas) quanto na educação básica (que fica a deriva, dependendo apenas de projetos individuais de cada escola – como a banda citada no documentário da cidade de Duque de Caxias).

Individualmente, os países estão investindo em educação. Cuba erradicou o analfabetismo à sua maneira. Os Quatro Tigres Asiáticos investiram em educação para solucionar problemas em sua própria economia. E quanto ao Brasil, ao efetivo investimento em regiões mais precárias? E quanto ao pagamento do piso salarial (e somente o piso, não citei aumento salarial ainda) do professor em todos os estados brasileiros? Agradeço muito que a proposta tenha sido apenas uma resenha, pois se eu tivesse que dar solução, ou mesmo apenas citar todos os problemas que facilmente encontra-se na educação brasileira eu estaria perdida.