Ave César
Tenho o costume de assistir cinema aos domingos com minha família.
Quando vi que estava passando um filme dos irmãos Coem insisti muito para vê-lo. Os Coen, para quem não sabe, são dois irmãos que sempre fazem filmes juntos. No começo da carreira fizeram um filme consagrado no meio artístico,"Barton Fink" e um fime sobre o qual não li nada a respeito e, creio, não causou muita repercussão, mas um filme de gangsters que amei: "Ajuste Final".
Entretanto, o filme que os consagrou no meio artístico foi a comédia dramática "Fargo". Com o grande público aqui no Brasil o primeiro filme que estourou (por ter sido um grande ganhador do Oscar) foi "Onde os fracos não tem vez". Outro filme deles com boa distribuição
aqui no Brasil (também por ganhar Oscar) foi a excelente regravação de Bravura Indômita.
Há que se registrar que não gosto de tudo o que eles fazem. Tem uma "comédia" que me irritou. Se chama "Um homem sério". Não digo que é um filme ruim, apenas fiquei com a sensação de que o filme é uma grande piada que eu não entendi. Se eu tivesse inserido no contexto em que esta grande piada faz sentido talvez achasse o filme genial, mas certamente não foi o caso. Apesar de "Um homem sério" os irmãos Coen tem uma filmografia incrível e diferenciada cheia de situações e recortes humanos, eles têm um olhar aguçado e diferenciado. Só faço uma advertência: eles não vão fazer um filme comum, se você for esperando um filme Hollywoodiano comum você vai se decepcionar (ou se surpreender).
Me impressionou que "Ave Cesar" estivesse passando em tão poucas salas, especialmente porque os filmes anteriores dele foram Blockbusters. Me pergunto se foi a concorrência com os filmes de super heróis a causa das poucas salas ou se, ao contrário, os filmes anteriores só tiveram uma distribuição maior por terem sido ganhadores de Oscar.
A sinopse do filme era mais ou menos assim: Um ator, que interpreta Cesar em uma grande produção cinematográfica, é sequestrado por roteiristas comunistas. Bem, Ave Cesar é do tipo de filme que eu gosto, tem muitos sub enredos (plots), cada plot é protagonizado por uma personagem diferente. Isto dá muita força a cada personagem. O caso é que a sinopse que estava no site do Correio Braziliense se referia apenas a um plot estrelado pelo galã George Clooney.
O filme contava ainda com o plot estrelado pela incrível Scarlet Johansoon: Uma super atriz estrelando uma super-hiper-mega-produção e que engravida. Apesar de ser pessoalmente pouco afeita às aparências e aos bons costumes seu sucesso como atriz era ligado
à imagem puritana. Ou seja, o estúdio precisava arrumar um marido urgentemente para dar uma aparência respeitável a tal gravidez.
Como em tão pouco tempo não conseguiram o marido o estúdio arrumou outra solução: ela daria seu filho para adoção e, uma semana
depois, o adotaria. De modo que para o público ela teria um filho adotado. O advogado não viu restrições legais a adotar o próprio filho.
O terceiro plot é o de um ator de musicais. Não a toa é estrelado por aquele ator de Magik Mike, Chaning Tatum. A primeira cena em que aparece ele está em um musical em que interpreta um fuzileiro naval. É uma cena incrível (pois é dançada e cantada em uma complexidade extraordinária). Isto é muito engraçado aos olhos atuais pois o jeito extraordinário que tudo acontece é lindo e incrível e, ao mesmo tempo, nos parece meio ingênuo aos olhos atuais. A cena (dos marujos dançando no bar) também é mega gay! Isto é engraçado pois os filmes da época eram muito puritanos. Bem, neste plote o ator/dançarino é um agente russo em conluio com roteiristas comunistas.
O quarto plot - e o de humor mais escancarado - é o de um super ator de faroeste. É especialista em interpretar cowboys, mas é ele mesmo o próprio personagem que ele interpreta. Explico: ele sempre interpreta o mesmo tipo de papel, mas ele em si é um super cowboy. É capaz de cavalgar e fazer malabarismos nos filmes. Mas fora dos filmes ele é da mesma maneira. Em um encontro romântico, por exemplo, ele pega um fio de macarrão, faz um laço, faz malabarismos e laça o dedo da menina. No seu plot ele, como herói que é, descobre quem são os raptores do ator de Ave Cesar e vai resgatá-lo.
O quinto plot é o de duas jornalistas em busca de notícias para sua prestigiosa revista. Elas querem fofoca, mas percebem que algo
está errado e começam a chantagear em busca de notícias.
O sexto e último plot (espero não ter esquecido nenhum importante) é o mais importante e o que concatena todos os outros. Um diretor
de um grande estúdio de Hollywood trabalha incessantemente para resolver todos as adversidades que cercam os filmes. Ele recebe a proposta de um trabalho mais bem pago e mais tranquilo e tem que ponderar se vai aceitá-lo enquanto resolve os mais diversos problemas que cada filme traz. A cena mais engraçada deste plot é a cena em que o diretor chama religiosos de diversas religiões para discutir se o filme que trata de Jesus é apropriado. Os religiosos não falam a mesma língua, cada um versado em sua própria teologia. É demais!
Ave César é um filme extremamente intrincado, cheio de tramas, muito harmonicamente amarrado. O filme tem muitas camadas de
sentido. Mesmo sem entender o contexto político você pode rir das piadas (alguém lembra do "não é tão simples"/"é complicado"?).
Mesmo sem entender as referências aos filmes e à ingenuidade da época você pode apreciar as grandes cenas de dança.
Mas enfim, sobre o que é Ave Cesar? É sobre a produção de filmes e sobre o espírito do tempo. Sobre as grandes estrelas, sobre a ingenuidade, sobre a paranoia anti-comunista, mas também, sobre o cinema em si. A cena final de Ave Cesar é o ator (agora resgatado do sequestro) atuando no filme. É uma cena incrível em que se depara com Jesus. O encontro com Jesus é especial, mágico, tocante (todos no estúdio de gravação se sensibilizam, alguns começam a lacrimejar). Na última fala ele erra o texto e começa a xingar. Quer cena melhor para falar da mágica do cinema do que esta?