REVELAÇÕES
Quando nos dispomos a sair de casa, entrar em uma fila, comprar ingressos e ir cinema adentro, é porque esperamos algo do que vamos ver. Esse algo pode ser diversão, riso fácil, emoções fortes, “adrenalina”, lágrimas e algum alívio, muito suspense, indignação.
O que me moveu a fazer isto, em um sábado à noite, chuvoso, na sessão das 22h e 30 min, foi curiosidade. Curiosidade altamente sugestionável pelo título do filme: Revelações. O que poderia ser? Imaginei que pudesse ser algo inesperado, um segredo bem guardado, lá no fundo do baú, e que o filme inteiro giraria em torno do dito cujo.
Surpreendi-me com o que foi sendo desvelado e com as deduções fáceis de fazer. O que, nem em sonho, tirou o valor do filme. Denso, forte, brutalmente maravilhoso!!! Doído pra danar!!! Quase que colo na cadeira e não saio do cinema. Um silêncio brutal de quem ia saindo. E eu lá, com cara de besta, olhando até o último crédito.
Por que estas reações se manifestam? Sei lá... Vai ver o Iuri Lotman tinha razão quando escreveu, em A semiótica do Cinema: “É preciso sublinhar, antes de mais, que qualquer informação transmitida por um filme não é exclusivamente cinematográfica. O filme está ligado ao mundo real”. É isso aí! Bem-vindos, senhoras e senhores, ao mundo real, refletido e refratado, na tela do cinema!
Talvez o trocadilho seja infame, mas Revelações foi uma revelação para mim. Sufocante, como o eram seus personagens. Construído em uma atmosfera pesada não poderia ser de outro jeito, seria inverossímil. Entretanto, perpassado por doçuras, ou pela busca delas.
Cenas dolorosas que mostram o efeito de coisas não ditas e gestos não feitos. A dor e o estrago irreparável daquilo que deixamos de fazer, viver, demonstrar. Fizeram-me lembrar um trecho de Maldigo del alto cielo, uma composição poética de Violeta Parra: “Maldigo del alto cielo/la estrella con su reflejo,/maldigo los azulejos/destellos el arroyuelo,/maldigo del bajo suelo/la piedra con su contorno,/maldigo el fuego del horno/porque mi alma está de luto,/maldigo los estatutos/del tiempo con sus bochornos,/cuánto será mi dolor.” A propósito, esta composição foi publicada na antologia “21 son los dolores”.
A vida pulsa. Pulsa e dói. Dói tanto que chega a dar medo. Ver a vida projetada em uma tela de cinema fere porque é a elaboração estética de fatos do cotidiano. Coisas que preferimos não ver, não viver. E assim, vamos morrendo pateticamente.
Saí do cinema lenta, atordoada, anestesiada, com os olhos meio fixos. Olha o Tambo do bando aí: “Vocês que perambulam sob enormes crucifixos, deixem seus olhos fixos”.. Momento precioso para revelações íntimas.