O REGRESSO: UMA METÁFORA DA VIDA

Estamos a poucos dias do Oscar, a maior festa que premia o cinema mundial e O REGRESSO, um “filmaço” candidato a várias estatuetas, já pontua as nossas telas por aqui.

Começo opinando que a classificação do gênero “aventura- faroeste” já engana a pretensão dos que o vislumbram assistir.

O filme é muito mais do que a narração dum caçador e comerciante de peles que enfrenta a adversidade da natureza e dos seus semelhantes, homens brancos e vermelhos, pelas rochosas nevadas do Canadá e da Argentina. Consta que a filmagem levou nove meses para ser concluida.

O filme é literalmente visceral: Humanístico. Carnal. Espiritual. Infernal.

Dum realismo que chega a incomodar, posto que nos remete a uma avalanche de violência sanguinária pela tela, algo de exagero a meu ver, todavia, nada tão diferente do que vivemos no “cinema da vida”.

Ali, sem que percebamos as horas passarem no cenário imutável , a bela arte, de forma surpreendente e realística, nos leva pela maravilhosa fotografia da natureza inóspita, quase inacessível à nossa realidade, local aonde homem e meio ambiente se confundem num só bloco de vida congelante,numa sobrevivência amalgamada em verso único, cáustico, de poesia dura, algo ao acaso da existência até, dando-nos a clara certeza de que a tela nos refuta todas as teorias antropocêntricas que possam resvalar a vaidade da nossa vã filosofia.

Na tela “homem e natureza” coexistem como selvagens predadores de si mesmos, apenas modulados pelos cenários das inesperadas cenas das horas.

Ao Homem, a clara mensagem de que HOJE já não nos bastaria apenas matarmos “um leão por dia” para se continuar num habitat em que, se o amor por vezes inflama um sopro de resiliência vital, ao ódio muitas vezes lhe cabe ser O PROTAGONISTA, o maior propulsor do “continuar”...sempre.

É preciso, inclusive, lutar contra o invencível , a matar nossos ursos dos caminhos diários, a ressuscitar da morte escarificada na pele e cicatrizar na marra, dentre tantas feridas sangrantes impostas pela sobrevivência.

E depois, só resfolegar por uma noite, aconchegados nos resquícios do abdômen quente, sob a carcaça dos mortos cavalos das nossas cavalgadas infrutíferas.

Ali, na tela, figura-se a vida como uma perene olimpíada de sobrevivência, a nos ratificar, o tempo todo, que aqui ninguém veio a passeio : primeiramente é preciso morrer para depois se ressuscitar da podridão da inveja, da ambição, da traição, da concorrência, da falsidade, da deslealdade, do desamor, da mentira, da sede de vingança, enfim, da loucura do nosso bicho Homem.

Leonardo di Caprio realmente surpreende na sua estelar atuação realística e animalesca, que lembra algo como o MINOTAURO, a figura mitológica que por vezes também ilustra a todos nós.

O ator merece a estatueta pela olimpíada da grande e inacreditável filmagem, inclusive.

Todavia, ali mais um recado é bem preciso: mesmo na maior adversidade do meio, é possível encontrar uma mão amiga, leal, ética, sensível, íntegra...e é preciso acreditar que é possível...viver e sobreviver na imprecisão dos verbos.

A cena do urso é indescritível e simbólica e só vendo para senti-la: deve levar a estatueta do melhor e MAIOR do “nosso” efeito especial: o milagre da resiliência da vida... “em vida”.

Termino entendendo que o REGRESSO é um filme extremamente humanístico, de beleza agressiva, de aventura reflexiva e que convida o ser Homem a regressar profundamente ao senso de si mesmo...