"Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal" (Midnight in the Garden of Good and Evil)

"Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal" (Midnight in the Garden of Good and Evil)







É tudo royal, se o leitor me permite uma brincadeira, a tradução de royal remete a real no sentido de realeza. Meu pequeno gáudio visa o real de realidade. Isso porque a história homônima de John Berendt, best seller publicado em 1994, trata de caso verídico ocorrido na início da década de 80 na encantadora Savannah, estado da Georgia, USA.

Em 1997, através da bruxaria inquietante de Clint Eastwood as telas de cinema foram brindadas com um espetáculo cujo viés imagético não poderia ser outro senão real, de realeza.

Assim, (quase) tudo aquilo que desfila face aos olhos do espectador durante 155 minutos, da cidade em si com seus casarões centenários, as feições das ruas, jardins, cemitérios, e por fim os pitorescos habitantes de Savannah, aliás estes, apesar de leves adaptações e algumas colagens, foram de fato de carne e osso, ostentaram aquelas tragicomédias pessoais e saltaram de cabeça num caldeirão que ganhou forma nos reinos dos parâmetros das histórias bem contadas que durante um tempo circulou o mundo.

Dois grandes nomes da ribalta são os dínamos da trama: Kevin Spacey e John Cusack. O primeiro, abastado, com um quê de sofisticação, homossexual discreto, o segundo, jornalista com aspirações literárias, já havia publicado um livro, trabalha numa revista, veio de Nova Iorque para escrever um artigo sobre a festa natalina na casa do abastado.

"Midnight....", o filme, levou zero premiações da Academia. Já o livro faturou o Boeke Prize e foi finalista do Pulitzer em 1995, além das 216 semanas consecutivas entre os títulos mais vendidos.

"Midnight....", o filme, não é um trabalho para crianças, muito embora trafegue num caudaloso paradoxo. Apesar de não arrancar risos consegue planar com uma leveza fora do comum, leveza e não leviandade, no meio da mata espinhosa dos temas centrais - assassinato e preconceito. Decerto o trunfo desse caminho zen repousa inabalável na estética de Clint, na trilha sonora que preencheria parágrafos e mais parágrafos com curiosidades históricas, desde o medalhão Johnny Mercer até as performances impecáveis de terceiros, o timing perfeito no correr das cenas, e, some-se a esses ingredientes o pontilhado de personagens menores com força titânica de atuação.

A atriz afro americana Irma P. Hall faz Minerva, a solitária macumbeira local, Irma esbanja de tal forma que chega-se a considerar seriamente não tratar-se de uma atriz e sim da própria Minerva.

A drag queem The Lady Chablis como Chablis Deveau, na vida real Miss Gay 1976 entre outras honrarias, também consegue "roubar a cena", como se diz, ainda que num papel hoje um tanto batido.

Jude Law, em início de carreira, como o garoto de programa Billy Hanson.

O eixo central da história paira no assassinato de Jude Law pelas mãos de seu amante, Kevin Spacey, contudo, reduzir o trabalho a somente isso seria um tenebroso ato de desmazelo. John Cusack desenvolve uma ligação com Spacey, dir-se-ia um rascunho de amizade, sem mencionar o interesse pessoal em escrever sobre o ocorrido, daí suas andanças pela mística Savannah, o contato com os nativos e naturais desdobramentos.

Há, porém, um detalhe crucial no enredo, talvez seja o tempero e ou especiaria que colocou o livro em evidência por tanto tempo. Esse detalhe se associa a uma ética matreira ao extremo. O personagem vivido por Kevin não faz em hipótese alguma o assassino ordinário que vive como um javali desnorteado até tirar a vida de alguém. Juridicamente ele e seu advogado se firmam na baliza "legítima defesa", o que não destoa do real.

Nos minutos finais do filme Kevin confessará ao jornalista como a coisa realmente aconteceu. Uma situação passível de muitas catalogações, exceto a de preto no branco.

O filme abre e fecha com a matizada Minerva no banco de uma praça alimentando esquilos. Sua presença na obra, sua filosofia sobre os vivos e os mortos, suas respostas desconcertantes para quem procura matemática numa paisagem de sombras nos dizem com palavras outras
que o exército da escuridão irá lutar contra qualquer coisa que tenha beleza, integridade, luz, liberdade, amor.

Mas não será ela quem dirá ao jovem repórter John Cusack:
Assim como a arte, a verdade está nos olhos de quem vê.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 21/01/2016
Reeditado em 02/07/2020
Código do texto: T5517945
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