CÓPIA FIEL
Cópia fiel ao olhar de cada intérprete
Cópia fiel (2010), Copie conforme, no título original, de Abbas Kiarostami, é um filme sobre arte mas, antes de tudo, um filme sobre interpretação, para além da clássica definição da interpretação como arte ou técnica especializada, acessível a poucos, os velhos tradutores de oráculos. Na tela, a condição de intérprete se oferta a cada um e a todos, a um só tempo, expectadores do belíssimo cenário da Toscana, no qual se monta um quebra cabeças, conforme o olhar de cada expectador.
O pano de fundo inicial é a discussão sobre o valor das cópias, em matéria de arte, na medida em que é o tema do livro publicado pelo filósofo escritor James Miller (William Shimell), cuja palestra de apresentação e lançamento é inicialmente acompanhada por Elle (Juliette Binoche) que precisa se retirar em razão das demandas de seu filho.
A película, todavia, vai mostrando o revolvimento, a todo instante, da questão hermenêutica, seja a partir da discussão primeira, qual seja, o valor que se pode creditar ao que é considerado uma cópia (o que impõe uma necessária discussão sobre o que se deva considerar como original); seja na interpretação dos diálogos entre os protagonistas, quando ressaltam aos olhos o problema do idioma, o lugar de onde se fala, o ponto de vista, a interlocução; seja a partir da exigência de participação do expectador, com seus sonhos e fantasmas, na construção do(s) sentido (s) que a trama pode assumir, enquanto possibilidades interpretativas, todas elas demandantes de subjetividade e sensibilidade, quando Cópia fiel passa a ser fiel ao olhar de cada intérprete, ao significado que cada um quer e/ou dá conta de imprimir à generosa (porque multifacetada) montagem de Kiarostami e, porque não dizer, montagem da vida, quando, pensando com Camus, “aumentar a felicidade de uma vida de homem é ampliar o trágico de seu testemunho”.
Penetrado na dimensão artística e hermenêutica, Kiarostami traz à tona o tema do casamento, ao certo pela capacidade que este tem de materializar a discussão sobre a dicotomia entre idealidade e realidade, perfeição e imperfeição, eternidade e corruptibilidade, sonho e estupidez. Esta última palavra aparece na cena em que a senhora, que está a servir na cafeteria, diz em conversa a Elle: “seria estúpido de nossa parte ficarmos infelizes em nome de um ideal”, o que se presta, ao expectador, tanto a pensar a tolerância para com as imperfeições do parceiro, quanto a pensar a tolerância (chamada aqui de estupidez) na conservação de um casamento supostamente ideal, mas inexistente. Da mesma senhora se ouve a frase que ecoa e reverbera nas cenas que se seguem: “o ideal não existe”, quando ganha força, na trama, o valor da imaginação e da ficção, como manifestações artísticas, tanto no sentido especializado, quanto no da arte de viver, sobretudo a arte de amar, onde a originalidade parece estar no que é mais simples, embora ser simples não seja simples, como confirma Kiarostami, que encerra a película ao som de sinos que tocam alto, em movimentos desencontrados.