REFLEXÃO E AÇÃO - O ENIGMA DE KASPAR HAUSER

O Filme Enigma de Kaspar Hauser, famosa obra cinematográfica do diretor Werner Herzog (Alemanha, 1974). Um filme intrigante e contundente que apresenta o ser humano com suas mazelas, suas imperfeições, mostra uma visão sobre a não humanidade dos indivíduos fazendo reflexão sobre a unicidade do ser humano, da história de vida e a experiências de cada sujeito. Indica também o quanto a linguagem e a cultura representam para o desenvolvimento psicológico dos indivíduos.

Para Piaget (1987) a inteligência é definida como uma adaptação, um equilíbrio entre assimilação e acomodação. Portanto, a inteligência é o ato de assimilar quando se incorpora dados das experiências ajustando-os aos novos dados.

O filme apresenta a trajetória de vida de Kaspar Huser, sua carência de cultura e que tem como resultado o não desenvolvimento da linguagem fazendo com que este viva em “outro mundo” causando estranhamento naquela sociedade, servindo de espetáculo aos cidadãos, dotados de inteligência, discursos e boa linguagem.

O total isolamento na caverna por muito tempo causou impactos negativos na formação como indivíduo, por isso vivia alheio ao que se passava ao seu redor, não havia interlocução, apenas repetia mecanicamente enunciados. Dessa forma é preciso entender quais são as relações entre linguagem e construção da realidade; como as práticas de linguagem estão atreladas aos contextos sociais e históricos.

Segundo Bakhtin (2006), o desenvolvimento do sujeito e da consciência depende da superação da esfera imediata, ou seja, da possibilidade que um humano específico tenha de conviver com outras vozes, outros pontos de vista, outras realidades, outros discursos, para além daqueles que o cercam; de estar em relação de transgrediência, de se ver a partir do ponto de vista de outro humano. Nesse sentido o filme comprova totalmente o contrário, Kaspar Hauser não tinha convivência com outras vozes, muito menos de se ver do ponto de vista de outro sujeito.

O filme é uma metáfora de muitos sujeitos da escola, onde a linguagem é uma imposição sem que haja opção e dessa forma circule na esfera da reprodução sem que se vivencie uma mudança social.

Para Vygotsky (1984), o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa por outra pessoa. O filme comprova essa teoria quando Kaspar brinca o tempo todo com um cavalo de madeira, um objeto, mas não reconhece, no estábulo, o cavalo como um animal. Portanto, para que a criança chegue a um ser cultural, ela deve ter acesso aos bens culturais, materiais e espirituais, necessários para a existência humana, de acordo com o autor.

Mesmo tendo aprendido, além de falar e escrever, habilidades básicas para a convivência em sociedade, naquela época nunca foi visto como igual pela comunidade.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006 [1953].

PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 4ª Ed. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara 1987.

VYGOTSKY, A formação social da mente. São Paulo. Martins Fontes, 1984.