BLUE DROP 2: Lavanda - o dilema de Hagino

BLUE DROP 2, LAVANDA: O DILEMA DE HAGINO
Miguel Carqueija

Resenha do episódio 2, “Lavandula” (Lavanda), do seriado japonês de animação “Blue drop” (A gota azul) (Tenshitashi no gikyoko), do estúdio Asashi Production (2007) com direção de Masahiko Koohkura. Criação original em mangá de Akihito Yoshitomi.

“Dê-me um tempo para refletir. Eu não me sinto bem.”
(Senkouji Hagino para Tubael)

“Qual é a sua intenção? Não está planejando me matar, está?”
(Wakatake Mari para Senkouji Hagino)


O segundo episódio do extraordinário e denso seriado “Blue drop” – cujo título (a gota azul) se refere à Terra vista do espaço, faz algumas revelações mas na prática somente amplia o mistério em torno das duas garotas, Hagino e Mari, que estudam num colégio interno feminino meio isolado da civilização, a Academia Kalhou.
Wakatake Mari, linda e inteligente menina de uns 15 anos, criou ojeriza por Hagino porque esta, num gesto incompreensível, tentara estrangulá-la no dormitório. Os espectadores, porém, percebem que o incidente guarda relação com lembranças misteriosas e traumáticas do passado. Ambas têm reações estranhas e lembranças confusas, diante uma da outra. No episódio do ataque Hagino estava com os olhos vidrados, em transe, e não sabia o que fazia.
Michiko, a doce menina de óculos, amiga das duas, não acredita que Hagino pudesse ter feito aquilo; em consequência Mari, percebendo o prestígio da outra no colégio, silencia sobre a agressão sofrida.
A série se desenrola em meio a um visual encantador, nas cores, na expressividade das personagens, no “design” das naves espaciais. Isto sem falar na beleza dos temas musicais da abertura e encerramento dos epísódios.
As duas protagonistas vivem situações difíceis. Mari tem um passado destruído: cinco anos atrás encontrava-se numa ilha com mais de 800 pessoas, quando ocorreu um tsunami; Mari foi a única sobrevivente mas perdeu toda a memória. Passou a ser criada pela avó – ou pelo menos disseram-lhe que era a avó.
Investigações secretas das quais participa Sugawara Yuuko, professora na academia, descobrem que mais de 400 pessoas já haviam morrido antes do tsunami, e por assassinato. O que podia ter provocado aquele genocídio? Sem memória, Mari não pode ajudar.
No entanto, memórias confusas e fragmentárias, que lhe vêm em sonho, parecem indicar que as vidas de Mari e Hagino se entrelaçaram de alguma forma. Hagino, reconhecendo Mari, interessa-se em investigá-la e, aproveitando seu prestígio, consegue uma ordem para ficar no mesmo quarto de Mari – e só as duas. Mari fica estarrecida: como dormir na presença de alguém que tentara assassiná-la?
Mari já descobriu que Hagino guarda uma espaçonave no fundo do lago próximo. Mas quando Tubael, a diáfana imediata de Hagino, materializa-se numa projeção holográfica no dormitório, as duas ficam espantadas quando Mari avista a intrusa. Tubael se retira e Hagino toca em Mari, tentando acalmá-la. As lembranças provocam uma reação traumática e Hagino cai numa convulsão, deixando a outra mais perplexa ainda.
Pobre Mari! Como poderia adivinhar o que está por trás disso tudo? A Terra está sendo silenciosamente invadida por uma raça de amazonas do espaço: apenas mulheres, pois, por alguma razão, todos os homens se extinguiram e elas se reproduzem por clonagem. Por causa disso algumas delas conservam tamanho e aparência de adolescentes mas são mulheres adultas. Hagino é comandante de uma das naves espaciais da grande frota que se encontra nas proximidades da Terra. As alienígenas, com sua comandante geral, já não possuem um planeta para viver e, tendo descoberto a Terra, planejam apossar-se dela, pela força, submetendo a raça terrestre.
Entretanto um desastre retardou a invasão e a nave Blue (ou nome equivalente na linguagem das invasoras), comandada por Hagino, encalhou na Terra há cinco anos e seus danos ainda não estão de todo consertados. Desde então Hagino deu um jeito de se infiltrar na academia, e vem estudando os costumes terrestres. Agora, porém, o comando da invasão conseguiu localizá-la, após anos de contato interrompido. Hagino deve se reunir à frota, e a logística da invasão deve ser completada.
A raça das amazonas não tem retaguarda e irá jogar sua sobrevivência na aventura, confiando em sua tecnologia mais avançada. O plano é semelhante ao que fizeram no passado os europeus com os povos tecnicamente menos avançados das Américas e da África. A Terra será tomada pela força e pela violência e os terrenos que não morrerem serão submetidos, escravizados.
Mas Hagino já não quer participar nisso: nos anos de convivência com os terrestres, aprendeu a amá-los. E seu espírito reto e justo se revolta diante da violência que se arma. A princípio ela utiliza subterfúgios para não se reunir à frota; mas isto não pode funcionar por muito tempo. Logo, Hagino terá de fazer a sua escolha que só poderá ser uma opção radical: ou ela cala a voz da sua consciência e toma parte na invasão com todo o seu horror, ou se recusa a fazer isso – e então será obrigada a lutar contra a sua própria raça.


Rio de Janeiro, 2 de abril de 2015.


imagem da série: Hagino com a gaivota (um robô de comunicação); em primeiro plano, Mari.