Birdman: “Um homem célebre”?

Birdman: “Um homem célebre”?

Em 2008, assisti à peça “Um homem célebre”, comédia musical que adaptava um conto homônimo de Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho, um dos maiores nomes da literatura brasileira. Já tinha lido o conto na época da escola, sem maior atenção, o reli mais maduro na faculdade antes da peça e mais identificado ainda depois dela.

Na narrativa, o personagem principal é o Maestro Pestana. Compositor de polcas, gênero bem popular na época que agradava a todos praticamente, era admirado pela sociedade carioca ainda em formação. Mesmo assim, não se sentia contente, ou melhor, não se sentia realizado. Pestana, na verdade, queria algo mais, desejava ser compositor de música clássica. Esse “algo mais”, pelo jeito, só ao ver dele.

Pestana tentava até compor algo diferente. Antes disso, compunha as polcas mesmo. Quando quis batizar uma como “Pingos de sol”, poético, seu editor sugeriu “Candongas não fazem festa”. Preferiu guardar na gaveta. Esforçava-se. Quando soava algo aos ouvidos dele mais nobre, na verdade não passava da expressão de sua memória sentimental: Chopin, traído pela memória.

Mesmo parecendo uma situação distante do homem atual, o retratado no conto machadiano serve de catarse para muitos. Algo tão popular que pode ser representado até pelos ditados “a galinha do vizinho é sempre mais gorda” ou “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Ou, sem querer parecer livro de autoajuda, o ser humano parece nunca estar satisfeito com aquilo que já tem, almeja sempre o carro mais potente, o apartamento maior, a mulher mais bonita, o cargo mais elevado... e por aí vai.

Eu mesmo já me inspirei no conto machadiano para escrever um meu. Trata-se de “Um homem célebre: versão emoderna*. Na narrativa, um jovem é famoso por escrever canções conhecidas pejorativamente pela alcunha emo. Porém, ele não gosta nada disso, quer fazer rock de verdade. Tenta, mas só consegue elaborar músicas que já existem mesmo. Vale a leitura: http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/1880020

E onde entra o tão aclamado filme “Birdman”? Agora. Fui ver o filme com grande expectativa devido às críticas e comentários tremendamente elogiosos em relação à película. Vi, gostei, mas nada de mais. Confesso que preferi quanto ao enredo e às atuações “A Teoria de Tudo”, inclusive.

Em “Birdman”, o personagem principal é um ator que durante muitos anos viveu com sucesso um super-herói. Bastante metalinguístico para os dias de hoje, ainda mais pelo fato de o ator principal ter representado um Batman no passado, um dos coadjuvantes ter sido um Hulk bem verde** e bla bla bla. Anos depois, resolve montar uma peça a ser encenada num tradicional palco nova-iorquino. Porém, teme bastante a reação do público e da crítica. Nesse processo, o herói que foi sua identidade no passado surge diversas vezes como sua voz da consciência, provocando-o, intimidando-o relembrando o passado glorioso.

Diante disso, o expectador, ser humano comum, se pergunta: pro que tanto esforço para uma peça se no passado ele teve a glória que muitos não tiveram a vida inteira? Por que temer o fracasso se ele já teve toda essa glória... e foi um super-herói? A resposta ara essas perguntas se encontra nessa ânsia comum de todo e qualquer ser humano buscar sempre algo a mais, mesmo que não seja necessário, mesmo de forma ignorante. Mesmo com um erro tal qual colocar maiúscula depois de dois-pontos. Por fim, vale dizer que o filme é bom, melhor do que essa tentativa de resenha, e serve também para tentar fazer com que você, caro leitor, (re)leia o conto de Machado. Sem cortes***.

*aviso de trocadilho número 1: emo + moderna

** aviso de metáfora: um Hulk imaturo, verde, tanto que só fez um filme.

*** turun tuntsss

E já que estamos falando de filmes e ideias que nem parecem tão originais assim... Já ouviram falar de um chamado “A caixa”? Na produção, uma família recebe uma caixa com um botão. Caso apertado, o mecanismo concede uma fortuna a seu possuidor, mas em troca algum desconhecido morre. Inovador, podem dizer. No entanto, em “O Mandarim”, livro do escritor português Eça de Queiroz, um homem recebe determinado instrumento que o fará rico caso seja acionado. Em troca, morre alguém na China.

Em 2007, "Hollywoodland" retratou a vida do ator George Reeves, que viveu com sucesso durante alguns anos o Superman na tv e no cinema. Ao longo da película, o personagem principal se mostra bastante irritado ao ser constante e quase que unicamente lembrado como o homem de aço. Até hoje, não há conclusões sobre a morte de Reeves, mas se suspeita de suicídio, tal qual quase ocorreu no fim de... ah, deixa para lá. Mais uma prova de que "Birdman" não é tão original assim.

Pelo jeito, muitos cineastas atuais contam com a (in)esperada virtude da ignorância.