"Cinquenta Tons de Cinza"
“Cinquenta Tons de Cinza”
- direção: Sam Taylor-Johnson
- gênero: drama, romance, erótico
- ano de lançamento (Brasil): 2015
- duração: 2h 5min
A pergunta que não quer calar. O que o livro “Cinquenta Tons de Cinza” tem que os outros não tem? De imediato é fácil concluir que não é o sexo, já que Anais Nin, em “Delta de Vênus”, criou cenas explicitas sobre relações sexuais por volta dos idos de 1941. Seria então o fator submissão? Se for para comparar, a trama de “A História de Ó”, publicado em 1954, de Anne Desclos, foi muito mais longe, onde a protagonista se permite ser escrava sexual de seu amante e de outros homens por ele indicado para, depois de um período, ser entregue ao amigo dele, sem contestação, e sendo novamente submetida a uma variedade de práticas sexuais sadomasoquistas. O que então diferencia a obra de E.L. James de tantas outras que existem dentro do universo literário erótico e amplamente já trabalhando por outros autores?
Partindo dessa premissa, podemos concluir, então, que o enredo de “Cinquenta Tons...” não chega a ser original, inclusive se considerarmos a história de amor, povoada de arquétipos do gênero, que permeia a relação de Anastásia Steele e Christian Gray: a protagonista é uma jovem estudante de literatura, inocente, bonita, inteligente e um tanto quanto desajeitada socialmente; o seu partner, um homem jovem, discreto, com um tanquinho mais que invejável, rico, e, voilà, com um problema que só ela pode solucionar, e no caso do Sr Gray (como ele gosta de ser chamado) seu gosto pela prática do BDSM (Bondage, Disciplina, Submissão, Sadismo e Masoquismo), explicável dentro da trama (justificativa para um sexo fora dos padrões tradicionais?), já que ele foi vítima da mesma prática durante uma parte de sua adolescência e início de sua fase adulta.
Independente dos motivos que levaram a obra de E.L. James se tornar um fenômeno literário (alguns críticos do ramo afirmam que a qualidade do texto não é das melhores) não se pode negar que o filme homônimo tem o seu atrativo, chegando aos cinemas cercado de polêmicas e um sentimento de “vamos ver no que deu”.
A transferência dessa primeira parte da trilogia para as telonas foi literalmente encabeçada por mulheres. Além de todo o processo ser acompanhado de perto pela autora dos livros e a produtora da Universal Pictures, Donna Lingley, o roteiro foi adaptado pela inglesa Kelly Marcel, de “Os Bastidores de Mary Poppins”, e a direção entregue a Sam Taylor Jonhson, autora do curta “Love Your More”, sobre dois adolescentes que perdem a virgindade entre cenas de puro erotismo sem ser explícitas.
A trama central de “Cinquenta Tons...” acontece a partir do encontro entre Anastásia e Christian, e logo se tem a impressão que a química entre eles precisa acontecer de qualquer jeito, mas de repente tira-se o pé do acelerador e o roteiro sinaliza a estrada que irá tomar, deixando as coisas acontecerem naturalmente (de vez em quando beirando a lentidão), pontuando desde então o caminho do romance construído no decorrer da trama, aonde acontece um embate entre os protagonistas, que chega a ser bem humorada: Anastásia não sabe se abre mão de suas convicções para se entregar de vez ao mundo de seu príncipe e ele, Sr Gray, não consegue decidir se deve ceder ao romantismo dela.
No meio desse conto de fadas, eis que acontecem as tão esperadas cenas de sexo, minuciosamente descritas no livro, mas que na telona acabaram por se tornar politicamente corretas, leves, quase propensas a um nu artístico, assépticas até, onde nenhum dos dois personagens transpira e nenhuma nudez é captada de um ângulo mais ousado, __ sem nu frontal masculino e de Anastásia apenas uma visão de relance, porém sem a presença da atriz, o que vemos na tela é tão somente obra de uma dublê de corpo. As poucas cenas de chicotadas são registradas em câmera lenta, possivelmente a fim de tentar suavizar o impacto da ação, mas ainda assim bem dirigidas, entretanto deixa uma sensação __ notória __ de estar faltando algo ousado e impressionante.
Dakota Johnson veste Anastasia Steele com relativa delicadeza e ingenuidade, sabendo mesclar a aura de donzela indefesa com a força que a personagem vai demonstrando no decorrer da trama, sem maneirismos, sem arroubos, ao contrário de Jamie Dornan, que entrega uma interpreção muita das vezes robótica, extremamente contida, ao mesmo tempo em que não conseguindo omitir a tensão que traz consigo face a responsabilidade de encarnar o super herói sem capa que vive nas fantasias de onze entre dez mulheres.
“Cinquenta Tons de Cinza”, o filme, está recheado de frases de efeito dentro de um roteiro enxuto e de uma direção segura, sem grandes inovações, porém sua adaptação do best-seller que vendeu mais de 100 milhões de cópias em todo o mundo, acaba por ficar no meio do caminho dentro da sua modernização do romance da Cinderela: a produção consegue ir além da proposta bem comportada de “Uma Linda Mulher”, mas deixa a desejar quando o assunto em questão é ousadia, ficando atrás de títulos como “9 1/2 Semanas de Amor” ou “O Último Tango em Paris”.
Curiosidades:
1. Em Londres, segundo depoimentos de alguns bombeiros, “Cinquenta Tons de Cinza” aumentou os acidentes de natureza sexuais;
2. Diálogos do filme provocaram risadas na premiere em Berlim;
3. Alguns atores, como Ryan Gosling e Shailene Woodley foram as primeiras escolhas da Universal, mas ambos recusaram o convite: ele por não estar interessado na história; ela, por conflito de agenda;
4. Alguns outros atores e atrizes também foram sondados para dar vida aos protagonistas do filme, mas, segundo o site da revista Veja, um dos motivos para as recusas foi a apreensão em relação a adaptação de um best-seller erótico que poderia ser tanto um grande sucesso como um fiasco capaz de atrapalhar suas carreiras.
5. O filme já foi assistido por meio milhão de brasileiros;
6. A produção vem recebendo críticas no mundo tudo. E nos Estados Unidos, grupos feministas acusam o longa de ser machista e estimular a violência contra as mulheres.
Perguntas que não querem calar:
1. É compreensível que um homem com uma barriga de tanquinho e que tenha muito dinheiro, possa ter alguns contatos que facilitem sua vida, mas será que ele tem espiões espalhados pelo mundo para conseguir seguir uma pessoa tão de perto?
2. Como Gray consegue aparecer (fazendo uma surpresa) para Anastásia, na casa dela, sendo que em momento algum a moçoila lhe deu as chaves?
3. Depois de todo um mistério construído em volta do personagem principal e ele repetindo várias vezes que não gosta de romance, por que nos deparamos com uma cena de passeio em helicóptero com direito a trilha sonora romântica?
Por fim, não há como negar que a trama de E.L. James se tornou um fenônemo e alguns sociólogos e feministas, perplexos diante desse inesperado resultado, não compreendem os motivos que levam(ram)mulheres modernas e autossuficientes a gostar de uma versão apimentada como essa, de Cinderela.