MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA
Conquanto seja uma história fictícia enfocando a composição de um dos famosos quadros do pintor holandês Johanes Vermeer, e situada sua ação na Holanda do século XVII, há traços marcantes de veracidade na trama cinematográfica Moça com brincos de pérola, posto que a obra pictórica é real assim como o pintor e outros personagens de intenso valor cênico no filme. O contexto histórico da época em que tudo acontece, as personagens envolvidas nos conflitos, tudo isso marca a película com pinceladas de fatos misturando realidade e ficção. Para a realização da pintura focalizada na história alguns acontecimentos se entrelaçaram e convergiram de forma a brotarem dilemas, ciúmes, desejos e tantos outros sentimentos humanos que afloram nas situações mais inesperadas. Mesmo sendo Vermeer o núcleo principal do enredo, visto que é uma de suas criações artísticas que está em evidência, sua esposa ciumenta e cheia de filhos, grávida inclusive de mais um, dominada por sua mãe arrogante, que também reside na casa do pintor, além, claro da jovem personagem de Griet, de 16 anos, filha de uma protestante de DELFT, cidade Holandesa famosa por sua cerâmica, alvo tanto da pureza artística de Vermeer quanto da lascívia do mecenas o patrono de Vermeer, o abastado e lascivo Van Ruijven – que já havia sido protagonista de um escândalo, por ter convencido Vermeer a pintar o quadro “Mulher de dois homens” onde ele aparece oferecendo vinho a uma jovem criada engravidada por ele.
Obrigada a trabalhar como doméstica em virtude da cegueira de seu pai que o impedia de sustentar a família, Griet, por ironia do destino, é contratada pela esposa de Vermeer. Porém a meiguice e a beleza extraordinária da moça despertam uma gama de sentimentos em todos. Em Vermeer, a sensibilidade ao manuseio das tintas, na esposa e na filha dele o ciúme doentio capaz de levá-las a extremos, e no mecenas Van Ruijven, homem cheio de lubricidade, os desejos carnais. Em virtude de Ruijven praticamente sustentar Vermer e sua família encomendando quadros de alto valor tanto artístico quanto pecuniário, e considerando também que havia a necessidade familiar de Vermeer em satisfazer os caprichos da esposa, o mecenas tenta persuadir Vermeer a pintar o quadro de Griet e ele se vê forçado a aceitar o pedido, quase uma ordem, para pintar um quadro de Griet. Nesse contexto ocorrem os conflitos em todos os personagens, cada um no seu próprio universo. Enquanto Vermeer procurava o melhor ângulo, a luz mais apropriada, o olhar da moça e seu sorriso mais encantador para expressar na pintura, a esposa dele se envenenava no ciúme coadjuvada por sua filha mais velha, a sogra do pintor procurava equilibrar o ambiente e o patrono das artes ansiava possuir a bela jovem criada.
Tudo fica ainda mais perturbador quando Vermeer presenteia a esposa com brincos de pérolas e percebe, depois, que os adornos seriam ideais para fazer parte da pintura da jovem, dando-lhe mais realce e destaque no seu ar ao mesmo tempo inocente e sedutor. O clima familiar, então, se torna ainda mais tenso, pois o pintor holandês resolve utilizar os brincos sem o conhecimento da esposa, chegando ele mesmo a furar as orelhas da jovem criada. Porém, arrebatada pelo ciúme, ela invade o estúdio do marido e avista o quadro já pronto da criada usando seus brincos. Enfurecida, tenta destruir a obra, mas é impedida por Vermeer. A pintura não teria resistido à fúria do ciúme caso fosse atacada e a humanidade perderia uma das grandes obras primas da pintura renascentista. Talvez sua perenidade não se deva a esse gesto de defesa de Vermeer e provavelmente a história dele não tenha se passado da forma como mostrada no filme, mas a fidelidade na caracterização da época em que ele foi pintado, o drama social vivido por muitos holandeses no período, tudo isso já nos exibe um panorama de como foi o contexto vivido pelo pintor na realização de seus trabalhos. O filme é a exposição viva dos conflitos que sempre existiram e existirão entre os seres humanos. Não importa o talento, a pobreza, o luxo, o poder e a fraqueza, homens e mulheres sempre navegarão por rios de sentimentos capazes de edificar ou destruir, fazer sorrir ou chorar, alegrar ou entristecer, viver ou morrer. O dom de alguns não lhes tira a humanidade, nem a pobreza de outros os faz menos belos e distantes da aura sentimental que envolve todos nós os racionais.