1. O Cinema Italiano no Pós-Guerra.
O fim do conflito mundial em 1945 deixou a Itália, como nação que integrou o Eixo, juntamente com a Alemanha e o Japão, em uma grave situação política e econômica. O cenário imediatamente anterior à Guerra e durante o seu curso não era, para o cinema, particularmente inspirador. Assim como os Estados Unidos havia, em boa medida, voltado a atenção para filmes que colaborassem na propaganda de guerra anti-nazista e anti-fascista, também o governo de Mussolini cooptou a atividade cinematográfica para divulgar as virtudes do governo.

No início da Segunda Guerra Mundial, a indústria de cinema italiano estava sob o domínio do fascismo. A maioria dos filmes então feitos eram divertimentos leves, voltados para distrair o povo dos sofrimentos da guerra. No entanto, alguns talentos importantes iriam surgir neste período e alguns filmes de inegável valor seriam produzidos.

Um bom exemplo é o filme Teresa Venerdi de 1941, dirigido por Vittorio de Sica, ator que ganhara destaque em comédias produzidas na década anterior. Neste filme, De Sica, também atua vivendo um médico que se vê afundado em dívidas por causa da sua namorada (vivida pela atriz Anna Magnani) e que se vê forçado a arrumar emprego em um orfanato. Conquanto basicamente uma comédia de erros, o filme demonstra o talento de De Sica como diretor. Comentando o filme quando do seu lançamento, o crítico italiano Mario Gromo afirmou que Teresa Venerdi é uma comédia simplesmente deliciosa.

 
O ano de 1943 marca o lançamento de um filme que conta uma sombria estória de adultério e morte tendo a pobre e desolada paisagem do Rio do Pó como cenário. Trata-se de Obsessão (Ossessione), o primeiro filme escrito e dirigido por Luchino Visconti. O roteiro do filme foi livremente adaptado da novela O Destino Bate à Sua Porta (Postman Always Ring Twice, The) do escritor norte-americano James M. Cain, o que causou sérios problemas para a divulgação do filme no exterior, por conta de questões relativas a direito autoral. No entanto, na Itália o filme teve imensa repercussão e é apontado como o elemento que deflagrou a era do neo-realismo.

Imediatamente após o fim da Guerra Mundial e a queda do governo fascista, surge o filme Roma, Cidade Aberta (Roma, Cittá Aperta) de Roberto Rosselini e que foi filmado secretamente em ruas e apartamentos da capital italiana, enquanto os alemães ainda eram expulsos e caçados pelas tropas aliadas. Neste filme, atuou como co-roteirista e assistente de direção um jovem talento italiano chamado Federico Fellini.

Roma, Cidade Aberta é visto como o filme que inaugura o neo-realismo, já que nele se podem ver características próprias deste ciclo, como a postura naturalística da câmara, o uso de locações externas e o recurso a atores não profissionais. O neo-realismo é um gênero que nasce, justamente, do estado traumático em que se encontrava a Itália depois de seis anos de conflito, que se refletiu em uma absoluta falta de recursos materiais para a produção cinematográfica. Somado a isto, o estúdio Cinnecittá estava temporariamente fechado, o que agravava as condições de produção. Deste modo, o neo-realismo acaba por se constituir em um retrato fiel de uma nação ferida em busca de sua identidade.

 
O ciclo do neo-realismo italiano avança pelo resto da década de quarenta, com filmes como Paisà (1946) também dirigido por Rosselini e Ladrões de Bicicleta (Ladre di Biciclette) de 1948, dirigido por De Sica. Apesar da sua marcante importância, o neo-realismo produziu poucos filmes e teve uma existência irregular e sujeita a várias dificuldades. O último filme do ciclo, O Ferroviário (Il Ferroviere), dirigido por Pietro Germi, foi lançado em 1956.

Esta breve resenha demonstra que o cinema italiano apresentava uma notável vitalidade criadora nas décadas de quarenta e cinqüenta, inclusive sendo portador de um novo estilo de se fazer cinema, revelando uma linguagem cinematográfica original e que deixou enormes influências.

Isto implica em reconhecer que o cinema italiano não era carente de idéias, estilos ou propostas próprias, de modo a precisar importar temas ou estilos de outros países, muito menos o gênero do faroeste, tão distante da sua realidade histórica e social. Com isto, fica evidente que o surgimento do ciclo do faroeste italiano não tem qualquer origem em um vazio criativo ou uma ausência de talentos para desenvolver um cinema afinado com a realidade da Itália.

 
No final dos anos cinqüenta surge na Itália um ciclo de filmes que recebeu, em inglês, o título de sword and sandals (espada e sandálias). Este ciclo era composto de filmes que narravam aventuras de heróis e semideuses, figuras presentes nas narrativas heróicas e na mitologia da Antiguidade, tais como Hércules, Aquiles, Sansão, dentre outros.

O primeiro destes filmes foi Hércules (Fatiche di Ercole, Lê) de 1958, dirigido por Pietro Francisci, com o americano Steve Reeves, halterofilista e ganhador do título de Mister Universo em 1950 no papel do herói mitológico grego. O filme, apesar da tão falada canastrice de Reeves, foi um êxito de bilheteria e abriu caminho nos anos seguintes para uma enxurrada de filmes semelhantes.

Steve Reeves voltou a viver Hércules no ano seguinte, em Hércules e a Rainha da Lídia (Ercole e la Regina di Lídia) também sob a direção de Pietro Francisci. Em 1960, Mark Forrest, outro halterofilista, também americano, assume o papel de Hércules em A Vingança de Hércules (Vendetta di Ercole, La), filme que teve como um dos roteiristas Duccio Tessari, ativo diretor de faroestes italianos.

 
Entre 1960 e 1965 vários filmes desse gênero foram produzidos, introduzindo nomes que iriam se tornar conhecidos com o advento do faroeste italiano. Como exemplo, vale citar Arrivano i Titani, de 1962, dirigido por Tessari e com Giulianno Gemma em um dos principais papéis; também O Colosso de Rodes (Colosso di Rodi, Il) de 1961, dirigido por ninguém menos que Sergio Leone.

O ciclo dos filmes sword and sandals apresentou um apelo popular inegável. Não obstante a genialidade dos filmes do neo-realismo, o certo é que nenhum deles se traduziu em bilheterias expressivas. Para se ter uma idéia, Roma Cidade Aberta auferiu cerca de $1.000.000,00 (um milhão de dólares), enquanto Hércules rendeu $4.700.000,00 (quatro milhões e setecentos mil dólares).

Esse êxito econômico despertou o interesse de empresários de todo o mundo – inclusive dos Estados Unidos – para o cinema italiano. De outra parte, o estúdio Cinecittà, o mais importante da Itália, e que havia sofrido severas restrições durante a Segunda Guerra, voltara a funcionar há já alguns anos e precisava tornar-se viável economicamente. O ciclo sword and sandals foi, efetivamente, decisivo para o ressurgimento deste estúdio, até hoje em atividade.

 
O ciclo sword and sandals estendeu-se de 1958 até 1964, tendo sido produzidos cerca de 170 filmes em uma média de 28 filmes por ano. Durante este período, estabeleceu-se um forte intercâmbio entre o cinema italiano e os Estados Unidos, país referencial na produção cinematográfica no Ocidente.

Esse intercâmbio se verificou, em primeiro ponto, com a presença de atores norte-americanos nos principais papéis dos filmes então produzidos, a exemplo de Steve Reeves, Mark Forrest, Brad Harris, Reg Park, Rory Calhoun, dentre outros.

Também o sucesso de bilheteria dos filmes despertou o interesse de companhias norte-americanas de distribuição, a exemplo da Warner Brothers Pictures e a United Artists. Este processo não se verificou com os filmes do neo-realismo, que não tiveram apoio em sua distribuição de nenhuma grande empresa norte-americana, fator este indispensável para que qualquer produção européia pudesse atingir um público mais amplo.

 
Por outro lado, o ciclo permitiu o aparecimento de uma nova geração de atores, diretores e roteiristas italianos que pertenciam a uma geração distinta daqueles do neo-realismo, marcados pelo espectro da Segunda Guerra Mundial. Esta geração, influenciada pelo cinema norte-americano e pela linguagem dos cineastas dos anos quarenta e cinqüenta (como John Ford, Howard Hawks, William Wyler etc.) volta-se para um cinema menos vinculado aos problemas sociais e políticos da Itália, investindo em uma proposta mais universalista e sem temas limitados quer pelo momento político vigente, quer por qualquer tipo de regionalismo temático.

Pertencem a essa geração nomes como Sergio Leone , Sergio Corbucci , Enzo Barboni (também conhecido como E. B. Clutcher) , Mario Caiano , Antonio Margheriti , que irão se consagrar no faroeste italiano, sendo que Leone é considerado o fundador do western spaghetti.

Também entre os atores surgem nomes que irão ter ativa participação no faroeste italiano, muitos deles como símbolos deste ciclo, a exemplo de Giuliano Gemma (imortalizado como Ringo), Richard Harrison , Terence Hill (o inesquecível Trinity), Gianni Garko (que se notabilizou no papel do pistoleiro Sartana), dentre outros.

 
O ciclo sword and sandals abriu caminho para um cinema rentável economicamente, baseado em uma fórmula de apelo popular, e, portanto, com maior sucesso nas bilheterias. Atraiu, também, para a Itália um bom número de atores e técnicos estrangeiros, a maioria americanos, despertando, por esta razão e também pelos bons resultados nas bilheterias, a atenção de grandes companhias norte-americanas. Estava, portanto, lançada a semente que tornava possível uma abertura e uma internacionalização do cinema peninsular europeu, o que iria se aprofundar com o faroeste italiano.

2. O Faroeste no cinema Europeu. Os antecedentes do faroeste italiano.

No item anterior, analisou-se, brevemente, a situação do cinema italiano entre os anos de 1945 a 1964, destacando o surgimento do neo-realismo, ciclo de excelência que foi um retrato do sentimento de desarticulação nacional experimentado pela derrota na Segunda Guerra e pelas marcas deixadas pelo governo fascista. Em momento posterior, o ciclo chamado de sword and sandals, de caráter mais popular e comercial, mas fundamental para o alcance das produções italianas em mercados os mais variados, aí incluído o Brasil, no qual os filmes de Hércules, Maciste e outros foram um grande sucesso.

Este quadro, no entanto, não explica o fato de ter se desenvolvido na Itália um ciclo cinematográfico do gênero faroeste, tão próprio do cinema americano. Em que pese o êxito comercial do gênero sword and sandals, a sua produção não justifica a passagem de um formato e de um tema tão distante – tema épico e heróico – para a temática tão específica do faroeste.

 
Então, remanesce a pergunta: por que o faroeste foi absorvido pelo cinema italiano e nele se desenvolveu, de maneira tão intensa, durante mais de uma década? Quais as raízes dessa transformação?

Uma hipótese razoável como resposta a ambas as indagações talvez esteja no fato de que a Itália não foi o primeiro país na Europa a produzir filmes do gênero faroeste. Muito antes do início do western spaghetti, vários países na Europa desenvolviam o que se poderia chamar de faroeste europeu, inclusive com alguns filmes de sucesso, muito embora não constituísse tais produções um ciclo determinado, com linguagem e propostas homogêneas.

Já em 1955, quase uma década antes de iniciar-se o ciclo do faroeste italiano, o cinema espanhol já produzia faroestes. Neste ano, é lançado O Coyote (Coyote, El) sob a direção de Joaquín Luis Romero Marchent, baseado nas novelas do autor espanhol J. Mallorqui. O Coyote era um justiceiro mascarado, a exemplo do Zorro e, também como este, distribuía justiça na Califórnia durante a ocupação espanhola. Marchent dirigiu uma continuação no ano seguinte sob o título A Justiça do Coyote (Justicia del Coyote, La) e em 1963 um faroeste com um título que relembra o estilo de título muitas vezes usado no ciclo do western spaghetti. Trata-se de Três Homens Bons (Três Hombres Buenos), tendo, no elenco, nomes que seriam constantes no faroeste italiano, como Robert Hundar, Fernando Sancho e Raf Baldassarre.

 
O cinema alemão lança, em 1962, o filme Der Schatz im Silbersee (que em inglês teve o título de Treasure of Silver Lake) e que, no Brasil, ficou conhecido como Winnetou. O filme foi dirigido por Harald Reinl, cineasta de origem austríaca, contando no elenco com um ator francês, Pierre Brice, vivendo um índio norte-americano (Winnetou) e com Lex Barker, que durante anos foi Tarzan nas telas, aqui no papel do explorador Old Shatterhand.

O filme fez imenso sucesso, tendo tido uma platéia de mais de 3 (três) milhões de espectadores, apenas no primeiro ano de exibição. O expressivo sucesso fez com que fossem produzidos mais 5 (cinco) filmes, sendo que o último foi produzido em 1968, já no auge do faroeste italiano.

Assim, não foi a Itália e nem o cinema italiano pioneiros em transladar para a Europa o faroeste. Os filmes aqui citados, muito anteriores ao início do western spaghetti, mostram que já se podia, nos anos cinqüenta, falar em um faroeste europeu. No entanto, é somente na Itália que o faroeste vai se destacar como um ciclo definido, com uma linguagem própria, uma cinematografia, por vezes, revolucionária e o estabelecimento de toda uma galeria de personagens (Ringo, Sartana, Django etc) criados no decorrer do ciclo e a este exclusivamente pertencentes.

 
Talvez estes capítulos tenham sido uma longa introdução. Melhor assim. Agora cada um que tenha vindo até aqui pode, tranquilamente, montar em seu cavalo, pôr o seu chapéu, e cavalgar pelos desertos e pradarias, pelas velhas cidades e, se quiser tomar um drink em um dos muitos saloons do western spaghetti.