Clube da Luta - A Grande Virada de uma Obra de Arte
“Clube da Luta” está no topo da lista dos meus filmes favoritos. É uma obra prima irretocável, com pitadas de humor negro e cheia de significados sobre as necessidades humanas, sobre o tempo histórico e o meio social em que vivemos. É cinema para aqueles que desejam enxergar muito além do óbvio!
Quando lançado, em 1999, a mídia o divulgou como o mais novo filme do galã Brad Pitt. Durante as coletivas para divulgação do trabalho, a badalação em torno do ator chegava a ser constrangedora, pois a mídia se mostrava mais interessada nele do que no próprio filme. Porém, aqueles que esperavam ver seu belo rosto na tela de cinema tiveram uma grande decepção. Em primeiro lugar porque Pitt não está bonito no filme, que é cheio de cenas propositalmente feias e de uma violência assustadora, depois porque não se trata de uma história facilmente digerível. Definitivamente não era o filme que se esperava do galã do momento. O fato é que com “Clube da Luta” o ator jogou nas faces dos mais desavisados aquilo que até então não estava óbvio para eles, ou seja, Brad Pitt não queria ser apenas o rostinho bonito da vez e estava disposto a encarar filmes complexos e personagens idem. Ponto para ele que subiu muito no meu conceito e no de muita gente.
Com um roteiro de Jim Uhls, baseado em livro de Chuck Palahniuk, o diretor David Fincher fez um trabalho de mestre ao contar a história de Jack (Edward Norton). Investigador de seguros de uma montadora de automóveis, Jack passa seus dias em uma bela sala individual de escritório, vez ou outra viaja de um canto a outro do país a trabalho e ganha um salário que lhe permite viver uma vida confortável em um belo apartamento equipado com tudo o que ele deseja comprar. Uma existência aparentemente sem nenhum problema! Mas Jack sofre com crises de insônia que o deixam sem dormir por longos meses, passa seus dias em estado de sonolência e para driblar a ansiedade começa a freqüentar reuniões de terapia grupal junto à vítimas de câncer, tuberculose e outras doenças graves. Nessas sessões, se passando também por doente, parece esquecer seu estado real e, ao encontrar algum alívio pela fantasia, consegue conciliar algumas horas de sono. Porém, sua alegria dura pouco! Assim como ele, Marla Singer (Helena Bohnam Carter) torna-se uma freqüentadora assídua das tais reuniões e Jack sente seu relaxamento evaporar ao encontrar nela uma testemunha de sua farsa. Marla também tem lá seus problemas, tem idéias suicidas e sua vida é um desafio à morte.
Repentinamente, em meio a uma viagem de trabalho, Jack encontra Tyler Durden (Brad Pitt), uma figura nada convencional com a qual passa a dividir uma mansão (literalmente caindo aos pedaços) após seu apartamento, tão caprichosamente montado, ter voado pelo ares em uma misteriosa explosão. Tyler e Jack tornam-se inseparáveis e juntos fundam o Clube da Luta que não é nada mais, nada menos, do que um clube formado por homens desejosos de se socarem até não poderem mais em violentas lutas corpo-a-corpo. O espírito do clube é restabelecido por Tyler a cada nova reunião ao declarar suas regras: “1) você não fala sobre Clube da Luta; 2) você não fala sobre Clube da Luta; 3) quando alguém disser "pare" ou perder os sentidos a luta acaba; 4) só dois caras em cada luta; 5) uma luta de cada vez; 6) sem camisa, sem sapatos; 7) as lutas duram o tempo, que for necessário; 8) se essa é a sua primeira noite no Clube da Luta, você tem que lutar”. Embora clandestino, e assim devendo continuar, o clube ganha novos adeptos a cada noite e se torna um sucesso. Jack e Tyler não são os únicos homens dispostos a dar vazão às suas necessidades mais primitivas por meio de socos e mais socos.
As desavenças entre Jack e Tyler começam quando Marla torna-se alvo do interesse do segundo. Tyler também começa a dar sinais de que seus planos vão muito além da criação do clube, ele passa a organizar seu “exército” pessoal e o "Projeto Caos", deixando Jack de fora dos acontecimentos e visivelmente enciumado. A revelação sobre a real identidade de Tyler é a reviravolta mais surpreendente que eu já vi em um filme e uma amostra do poder da fantasia provocada pelo cinema e pela grande mídia. Ela conduz, imperceptivelmente, por caminhos os mais inesperados e muitas vezes de forma nada evidente. É isso o que David Fincher quer dizer ao colocar Jack apresentando Tyler Durden, inicialmente, como um operador de projetores em sessões de cinema e ao mostrá-lo como alguém que mantém o hábito de inserir mensagens subliminares durante as projeções. O próprio David Fincher inseriu mensagens subliminares em pelo menos quatro momentos do filme, como que fazendo uma sátira.
O filme é repleto de surpresas e pequenos detalhes interessantes, mas em essência, trata de transcendência e de libertação, de romper com os ditames opressores de um modo de vida a que nos acostumamos a seguir e que nos parece o único possível. Ao acreditarmos que dedicar os dias a um trabalho chato, em um ambiente chato e em convivência com princípios com as quais não concordamos, para conseguir dinheiro e comprar coisas que muitas vezes não são absolutamente necessárias é a única forma de vida aceitável, abrimos mão de uma vida autêntica, construída com base naquilo que faz sentido para nós, enquanto indivíduos, e não no que querem nos fazer acreditar ser importante. A crise enfrentada por Jack representa sua negação de si mesmo, gerando a reação de seu eu inconsciente e conseqüências assustadoras. É ingenuidade pensar que seja possível arquivar anseios, sonhos e sentimentos, pois eles sobrevivem, respirando com dificuldade, como doentes terminais e mesmo sob as piores condições.
A histórica que o público não compreendeu há oito anos atrás tornou-se motivo de admiração e reverência. Cada vez mais a sociedade se vê traída por uma ordem econômica que consome suas vidas e não lhes dá nada que não sejam pequenas pílulas de frágil ilusão. As pretensões do american way of life esgueiraram-se pelo mundo globalizado e hoje muito mais gente pode se imaginar na pele de um Jack e entender a importância desse filme. O que parecia não fazer muito sentido tornou-se o reflexo do desencanto provocado pelo modo de vida capitalista. Estilo de vida este que está em pleno processo de esfacelamento, pois ao se vincular a felicidade à atitude materialista/consumista ficaram soterrados os valores mais nobres às almas humanas e estas, despidas de sentido, começam a reagir.
Vivemos um momento de mudanças positivas, assim quero acreditar. O homem, animal social que por milênios dedicou-se a transforma o ambiente para suprir suas necessidades, tornou-se escravo do modo de vida que construiu, ou como diz Tyler "as coisas que você possui acabam possuindo você”. O Clube da Luta expressa a revolta contra esse estado de coisas. Mas também representa um momento de transição, como uma fase de despertar e de conscientização. Por isso a luta de Jack para ser mais forte do que Tyler. Verdade que a forma de vida inicialmente adotada por Jack não é a mais desejável (e por isso sua revolta inconsciente), mas também é verdade que ele é um animal social, unido a outros para a sobrevivência e não para a destruição de uns pelos outros pela insatisfação da alma ou pela infelicidade. Afinal o que seria pior, a violência física que pode matar ou a violência ideológica que consome vidas?
Na época de lançamento do filme, a maior parte do público desaprovou as boas intenções dos artisticamente ambiciosos Brad Pitt, Edward Norton e David Fincher. As pessoas não entenderam, na verdade até se chocaram, e Fight Club ficou pouco tempo em cartaz, saindo de fininho pela porta dos fundos. Mas, como o tempo não pára e até as pedras se encontram, hoje, o filme desprezado há quase 10 anos atrás, é reverenciado e tornou-se um cult movie. Esteticamente feio, mas genial e definitivamente imperdível em tempos de almas desorientadas e famintas!
Título Original: Fight Club
Lançamento: 1999 (EUA)
Direção: David Fincher
Roteiro: Jim Uhls, baseado em livro de Chuck Palahniuk
Produção: Ross Bell, Cean Chaffin e Art Linson
Música: The Dust Brothers
Elenco: Edward Norton (Narrador / Jack); Brad Pitt (Tyler Durden); Helena Borham Carter (Marla Singer); Meat Loaf (Robert Paulson); Jared Leto (Angel Face); Zach Grenier (Chefe); Richmond Arquette (Médico)
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Uma curiosidade: mais recentemente Edward Norton voltou a interpretar um personagem não muito diferente de Jack. O Harlan de Vale Proibido é apontado pelo próprio ator como algo semelhante. O interesse de Norton por essa linha de personagens é tamanho que ele mesmo se prontificou a viabilizar o filme, trabalhando também como produtor.