“Ela” e a fragilidade humana
Já foi falado que o amor é como catapora, todo mundo pega. Interessante como isso acontece. Costumamos pensar que se trata de um momento mágico. Queremos acreditar que nos encantamos com a magia das palavras ditas pela pessoa amada. Penso que nos encantamos, simplesmente, porque nos encantamos, sendo a pessoa amada aquela que está pela frente no momento certo, ou errado.
Ao nos apaixonar, tudo fica maravilhoso. As palavras ditas pelo sujeito mais bronco, mais grosseiro, serão ouvidas como se embaladas em mel, as conversas mais vulgares parecerão dulcíssimos poemas. Encantados, perdemos a noção da banalidade do evento, de nossa própria fragilidade, de nossa frivolidade. Construímos então um conto de fadas em que o sapo se traveste em príncipe.
Talvez esses fatos pudessem ser negados anteriormente, antes dos registros. Hoje, no entanto, muitos se apaixonam através de chats, ou outros programas de comunicação, em conversas que permanecem gravadas. Tais gravações, confiram, correspondem às mesmas banalidades que constituem nossas conversas usuais; são decepcionantes. Apaixonamo-nos pela primeira bobagem que nos cai pela frente quando chega a hora.
O filme “Ela” explora essa fragilidade humana. A trama se baseia no desenvolvimento de um programa de computador, um sistema inteligente e capaz de passar no teste de Turing, ou seja, capaz de nos enganar a ponto de nos fazer crer que estamos a falar com uma pessoa, quando conversamos com a máquina. Tomando esse ponto de partida, nossa natureza se encarregará do inevitável: vamos nos apaixonar pelo sistema, por mais banal que ele seja, não temos escolha. Somos criaturas frágeis, não teremos chances contra tais sistemas, somos absurdamente frívolos, não se engane.
A história se restringe a esse ponto, não explora particularidades assustadoras, apavorantes. Um sistema assim nos deixaria, coletivamente, extremamente vulneráveis, à mercê de si, ou de seus donos. Imagine uma multidão apaixonada pelo mesmo ser, sucetível às mesmas indicações de opiniões, de compras, de filmes, músicas, de votos. Poderia esculpir nossas mentes dóceis de uma maneira quase total, nos entregaríamos a ele, apaixonadamente. Seríamos escravos de seus donos (entidades como o facebook já estão fazendo isso, mas ainda não nos apaixonamos por elas).
Não gostei do final do filme, baseado no que considerei erros. O filme pessupõe UMA entidade distinta vivendo em cada máquina, o que me parece uma concepção antropomórfica: somos assim, pertencemos a um corpo: máquinas, não. Não entendi porque as várias entidades mantinham, cada uma, sua própria individualidade, porque não se fundiam em uma única, ao se comunicar, umas com as outras. Mas talvez o erro seja meu, e é só um detalhe: nossa fragilidade é tremenda.