ANTES DO AMANHECER
Nota do Site: 5/ 5
Antes do Amanhecer é uma fábula romântica cuja história gira em torno de dois estranhos que se conhecem numa viagem de trem pela Europa, estabelecendo imediata afinidade a ponto de, num impulso, decidirem continuar sua conversa enquanto passeiam pelas ruas de Viena e, no processo, vão se conhecendo melhor até desenvolverem um interesse amoroso que durará até a manhã do dia seguinte, quando os dois seguirão rumos diferentes.
E é só. Basicamente são 101 minutos de pura conversação, entrecortados por planos cuja única função é nos apresentar os locais que os jovens percorrerão. Assim, a força da narrativa residirá na maravilhosa e apaixonante dinâmica estabelecida entre os protagonistas, Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy), levando-nos a crer na plausibilidade daquele flerte/ relacionamento justamente por causa do realismo que aquela conversa mantém, o que torna tão mágica a experiência de assistir esse filme.
Completos desconhecidos, Jesse e Céline se aproximam casualmente, conversando banalidades enquanto viajam, só para instantes depois estarem compartilhando lembranças pessoais, transformando a trivial conversa numa possível situação onde a melhor estratégia, sobretudo para Jesse, é convidar Céline (mesmo que desajeitadamente) a passear com ele por Viena, possibilitando aos dois aprofundar seu entrosamento a partir de um cuidadoso e desajeitado processo de paquera, onde Jesse, por exemplo, claramente mais aventureiro e ligeiramente blasé, adota a espirituosidade com que trata os mais diversos temas e situações para mostrar-se mais interessante aos olhos de Céline que, em contrapartida, exibe um caráter mais determinado, de propensões feministas, cujo traço mais marcante é a sua sensatez e racionalidade sobre qualquer coisa que opine.
Esses traços de personalidade, vale ressaltar, são frutos de criações familiares diferenciadas. Céline, por exemplo, é mais inteligente que Jesse, pois ela é proveniente de uma família que lhe proporcionou uma criação voltada para a liberdade de expressão, levando Jesse justamente a se encantar por essa forma dela em se expressar e ele, por outro lado, esbanja uma sagacidade que o faz ter resposta pra tudo, mesmo ele aparentemente não dominando certos assuntos, o que lhe dá um inegável charme, aos olhos de Céline. Assim, um é o contraponto do outro mesmo que eles não percebam de imediato.
O interessante é que esses traços de personalidade são percebidos a partir das conversas mantidas pelo casal, cujos inúmeros diálogos ajudam no estabelecimento dessas idiossincrasias ao mesmo tempo em que determinam a dinâmica dos dois, e só. Não queira procurar sentido literal naquilo que eles falam! Quando o casal “debate”, por exemplo, sobre o significado do amor, é perceptível a diferença de opiniões, fazendo com que ambos optem pelo encerramento da conversa, não por causa da discordância, mas por perceberem a inutilidade daquele debate, visto que a rigor eles têm pouquíssimas horas para conviverem.
É inegável, ainda, que as conversas são uma ferramenta bem-sucedida do roteiro para demarcar ao espectador o desenvolvimento da narrativa. Assim, se no início a conversa esbanja o inequívoco charme do flerte, onde ambos esforçam-se em se mostrarem interessantes, os temas das conversas vão se tornando mais sérios na medida em que os jovens vão se envolvendo e, finalmente, vai se tornando mais melancólico na medida em que a despedida de ambos vai se aproximando. E confesso que, como espectador, compartilhei quase com a mesma intensidade desse “envolvimento”: do meu sorriso bobo ao ver os dois dando o primeiro beijo ao amargo frenesi final onde o casal de apaixonados tenta desesperadamente adiar a inevitável despedida.
Amargura essa derivada da inquestionável empatia dos personagens. Como não se encantar por Jesse e sua sutil impulsividade juvenil, que se manifestava em seus olhares hesitantes para Céline? E nos momentos em que ele, inseguro, tentava fazer um carinho no rosto ou no cabelo de Céline? Ou então no inesquecível momento em que os dois, numa cabine de música ouvindo a inesquecível Come Here, trocam olhares de hesitação repletos de cumplicidade e que registram o maravilhoso momento em que ambos se percebem apaixonados um pelo outro? Céline,por outro lado, mais comedida em seus modos e gestos e mostrando-se mais segura de si, exala uma simpatia e uma beleza que escondem um jovem capaz de impulsos românticos, mesmo sendo ela a conduzir a situação, num exemplo sutil de dominância.
E notem aqui que eu ainda não falei dos aspectos técnicos. E porque falar? Concebendo um roteiro cujo foco sempre será seus protagonistas, Richard Linklater sabiamente nunca chama atenção para si, entregando ao invés disso, uma narrativa enxuta, sem firulas ou preciosismos, que consegue em 101 minutos nos proporcionar um rico universo por trás deste simples mais transcendente filme, uma simplicidade herdada dos melhores dramas já produzidos e transcendente por se mostrar tão próximo de nós, como se os protagonistas fossem nossos amigos. Sim, eles são nossos amigos e compartilham cadeira cativa em nosso imaginário cinéfilo!
Nota do Site: 5/ 5
Antes do Amanhecer é uma fábula romântica cuja história gira em torno de dois estranhos que se conhecem numa viagem de trem pela Europa, estabelecendo imediata afinidade a ponto de, num impulso, decidirem continuar sua conversa enquanto passeiam pelas ruas de Viena e, no processo, vão se conhecendo melhor até desenvolverem um interesse amoroso que durará até a manhã do dia seguinte, quando os dois seguirão rumos diferentes.
E é só. Basicamente são 101 minutos de pura conversação, entrecortados por planos cuja única função é nos apresentar os locais que os jovens percorrerão. Assim, a força da narrativa residirá na maravilhosa e apaixonante dinâmica estabelecida entre os protagonistas, Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy), levando-nos a crer na plausibilidade daquele flerte/ relacionamento justamente por causa do realismo que aquela conversa mantém, o que torna tão mágica a experiência de assistir esse filme.
Completos desconhecidos, Jesse e Céline se aproximam casualmente, conversando banalidades enquanto viajam, só para instantes depois estarem compartilhando lembranças pessoais, transformando a trivial conversa numa possível situação onde a melhor estratégia, sobretudo para Jesse, é convidar Céline (mesmo que desajeitadamente) a passear com ele por Viena, possibilitando aos dois aprofundar seu entrosamento a partir de um cuidadoso e desajeitado processo de paquera, onde Jesse, por exemplo, claramente mais aventureiro e ligeiramente blasé, adota a espirituosidade com que trata os mais diversos temas e situações para mostrar-se mais interessante aos olhos de Céline que, em contrapartida, exibe um caráter mais determinado, de propensões feministas, cujo traço mais marcante é a sua sensatez e racionalidade sobre qualquer coisa que opine.
Esses traços de personalidade, vale ressaltar, são frutos de criações familiares diferenciadas. Céline, por exemplo, é mais inteligente que Jesse, pois ela é proveniente de uma família que lhe proporcionou uma criação voltada para a liberdade de expressão, levando Jesse justamente a se encantar por essa forma dela em se expressar e ele, por outro lado, esbanja uma sagacidade que o faz ter resposta pra tudo, mesmo ele aparentemente não dominando certos assuntos, o que lhe dá um inegável charme, aos olhos de Céline. Assim, um é o contraponto do outro mesmo que eles não percebam de imediato.
O interessante é que esses traços de personalidade são percebidos a partir das conversas mantidas pelo casal, cujos inúmeros diálogos ajudam no estabelecimento dessas idiossincrasias ao mesmo tempo em que determinam a dinâmica dos dois, e só. Não queira procurar sentido literal naquilo que eles falam! Quando o casal “debate”, por exemplo, sobre o significado do amor, é perceptível a diferença de opiniões, fazendo com que ambos optem pelo encerramento da conversa, não por causa da discordância, mas por perceberem a inutilidade daquele debate, visto que a rigor eles têm pouquíssimas horas para conviverem.
É inegável, ainda, que as conversas são uma ferramenta bem-sucedida do roteiro para demarcar ao espectador o desenvolvimento da narrativa. Assim, se no início a conversa esbanja o inequívoco charme do flerte, onde ambos esforçam-se em se mostrarem interessantes, os temas das conversas vão se tornando mais sérios na medida em que os jovens vão se envolvendo e, finalmente, vai se tornando mais melancólico na medida em que a despedida de ambos vai se aproximando. E confesso que, como espectador, compartilhei quase com a mesma intensidade desse “envolvimento”: do meu sorriso bobo ao ver os dois dando o primeiro beijo ao amargo frenesi final onde o casal de apaixonados tenta desesperadamente adiar a inevitável despedida.
Amargura essa derivada da inquestionável empatia dos personagens. Como não se encantar por Jesse e sua sutil impulsividade juvenil, que se manifestava em seus olhares hesitantes para Céline? E nos momentos em que ele, inseguro, tentava fazer um carinho no rosto ou no cabelo de Céline? Ou então no inesquecível momento em que os dois, numa cabine de música ouvindo a inesquecível Come Here, trocam olhares de hesitação repletos de cumplicidade e que registram o maravilhoso momento em que ambos se percebem apaixonados um pelo outro? Céline,por outro lado, mais comedida em seus modos e gestos e mostrando-se mais segura de si, exala uma simpatia e uma beleza que escondem um jovem capaz de impulsos românticos, mesmo sendo ela a conduzir a situação, num exemplo sutil de dominância.
E notem aqui que eu ainda não falei dos aspectos técnicos. E porque falar? Concebendo um roteiro cujo foco sempre será seus protagonistas, Richard Linklater sabiamente nunca chama atenção para si, entregando ao invés disso, uma narrativa enxuta, sem firulas ou preciosismos, que consegue em 101 minutos nos proporcionar um rico universo por trás deste simples mais transcendente filme, uma simplicidade herdada dos melhores dramas já produzidos e transcendente por se mostrar tão próximo de nós, como se os protagonistas fossem nossos amigos. Sim, eles são nossos amigos e compartilham cadeira cativa em nosso imaginário cinéfilo!