AS AVENTURAS DE PI
Nota do Site: 4/ 5
As Aventuras de Pi, o novo filme de Ang Lee é uma mistura às vezes eficiente, às vezes nem tanto de drama, fantasia, aventura e pequenas dose de humor. Iniciando sua narrativa já trazendo o protagonista, adulto, numa conversa com um escritor que claramente representa Yann Martel (o sujeito cujo livro o filme se baseou) e utilizando-se dessa conversa para estabelecer de forma econômica a história de Piscine Pavel, através de um voice over – do momento em que seus pais se conhecem, passando pela origem de seu curioso nome até a saída da família Pavel da Índia – nos preparando assim para o que realmente interessa, que é a história de superação de Piscine Pavel.
Estabelecendo desde o início a inteligência e a curiosidade de Pavel como pontos fundamentais de seu caráter, o roteiro planta com isso a justificativa perfeita para acreditarmos que aquele adolescente pudesse, enfim, sobreviver 227 dias em alto-mar, na companhia de um feroz tigre de bengala chamado Richard Baker, sem nos preocuparmos como ele arranjaria saídas para os perigos enfrentados naquele ambiente tão inóspito, mesmo o indivíduo tendo a ajuda exagerada, aqui e ali, de “coincidências” para que passe por todo aquele sufoco. E são essas “coincidências” que salientam toda uma subtrama religiosa que perpassam o filme todo, tentando nos vender a ideia de que os esforços de Pavel só foram possíveis graças à providência divina.
Estes esforços do roteirista David Magee e do diretor Ang Lee em dar um tom religioso ao seu filme são vistos já nos créditos iniciais quando o zoológico do Sr. Pavel surge simbolizando uma ideia de Paraíso com o qual o filme irá flertar dali em diante. Além disso, a fotografia de Claudio Miranda, ao usar uma paleta de cores quentes para retratar a infância de Pavel, nos sugere a vivacidade de um jovem que, posto à prova pelo “destino”/ “acaso”, passará a ser constantemente visto em plongé nos momentos em que estiver à deriva, como se Deus olhasse por ele. Além disso, destacando os peixes que nadam ao redor do bote de Pi como pontos luminosos e “fosforescentes”, Miranda lhes dá evidência acentuada, salientando a ideia da onipresença divina e que alcança sua obviedade máxima na cena em que Pavel e Richard Baker são “atacados” por um cardume de peixes-voadores!
Outro aspecto diz respeito ao fato de que a fotografia do filme foi toda ela concebida para o 3D, exemplo disso é o momento em que Pavel observa seu bote num raro momento de calmaria e o mar é visto numa superfície translúcida, como se fosse um espelho. Em casos em que vemos certos personagens nadando, esta estratégia visual é repetida, dando-nos a impressão de que os mesmos estão “flutuando”. Por outro lado, o tom do filme é algo que, aqui e ali, geram certas incongruências: se a partida da família Pavel da Índia nos envereda para o drama e o naufrágio acentua este drama para a tragédia, é inconsistente o fato de Lee e Magee darem um tom mais fantasioso às desventuras de Pavel, sobretudo na sugestão através dos efeitos visuais de que muitas das seqüências vistas ali são frutos da imaginação de Pi, visto que esta escolha narrativa enfraquece nosso interesse pelo drama principal.
Mesmo assim, devo mencionar que a subtrama envolvendo Richard Baker é a melhor coisa que o filme nos ofereceu. Não que o tigre tenha nos tirado um “mar” de lágrimas, mas ao concebê-lo como uma espécie de espelho para os conflitos de Pavel, Lee e Magee conseguem criar uma subtrama que se inicia no momento em que o pai de Pavel diz para o filho: “quando você olha para ele [Baker], são seus sentimentos que você vê refletido nele, e não os sentimentos dele”, um diálogo que cria uma rima temática fabulosa na sequência do “sonho compartilhado” entre Baker e Pi e que retornará no terceiro ato. Mesmo assim, ressalta-se que a presença de Baker no bote de Pi só faz sentido mesmo como “simbolismo necessário”, já que é racionalmente incompreensível que se mantenha um animal tão perigoso ao seu lado.
Mas é mesmo nos últimos instantes que o filme ganha uma profundidade insuspeita: questionado pelos donos do navio naufragado acerca da veracidade de seus relatos e, mais importante, quais as reais razões do naufrágio, Pavel conta uma segunda história, em que substitui o tom fantástico por um tom mais verossímil e cruel. Aqui, a forma intensa como esta segunda versão é contada põe em dúvida a história que acompanhávamos até então. Aí, jogando eficazmente com nossa percepção ao mostrar o protagonista perguntando “em qual história você acredita?”, Lee e Magee nos brindam com um final que praticamente obrigam a todos – espectadores e personagens – a aceitar a história mais fantástica em detrimento da versão mais plausível, a mais cruel e sem final feliz, levando-nos à interessante sugestão de que aquilo tudo não passou de lenda!
Outro aspecto diz respeito ao fato de que a fotografia do filme foi toda ela concebida para o 3D, exemplo disso é o momento em que Pavel observa seu bote num raro momento de calmaria e o mar é visto numa superfície translúcida, como se fosse um espelho. Em casos em que vemos certos personagens nadando, esta estratégia visual é repetida, dando-nos a impressão de que os mesmos estão “flutuando”. Por outro lado, o tom do filme é algo que, aqui e ali, geram certas incongruências: se a partida da família Pavel da Índia nos envereda para o drama e o naufrágio acentua este drama para a tragédia, é inconsistente o fato de Lee e Magee darem um tom mais fantasioso às desventuras de Pavel, sobretudo na sugestão através dos efeitos visuais de que muitas das seqüências vistas ali são frutos da imaginação de Pi, visto que esta escolha narrativa enfraquece nosso interesse pelo drama principal.
Mesmo assim, devo mencionar que a subtrama envolvendo Richard Baker é a melhor coisa que o filme nos ofereceu. Não que o tigre tenha nos tirado um “mar” de lágrimas, mas ao concebê-lo como uma espécie de espelho para os conflitos de Pavel, Lee e Magee conseguem criar uma subtrama que se inicia no momento em que o pai de Pavel diz para o filho: “quando você olha para ele [Baker], são seus sentimentos que você vê refletido nele, e não os sentimentos dele”, um diálogo que cria uma rima temática fabulosa na sequência do “sonho compartilhado” entre Baker e Pi e que retornará no terceiro ato. Mesmo assim, ressalta-se que a presença de Baker no bote de Pi só faz sentido mesmo como “simbolismo necessário”, já que é racionalmente incompreensível que se mantenha um animal tão perigoso ao seu lado.
Mas é mesmo nos últimos instantes que o filme ganha uma profundidade insuspeita: questionado pelos donos do navio naufragado acerca da veracidade de seus relatos e, mais importante, quais as reais razões do naufrágio, Pavel conta uma segunda história, em que substitui o tom fantástico por um tom mais verossímil e cruel. Aqui, a forma intensa como esta segunda versão é contada põe em dúvida a história que acompanhávamos até então. Aí, jogando eficazmente com nossa percepção ao mostrar o protagonista perguntando “em qual história você acredita?”, Lee e Magee nos brindam com um final que praticamente obrigam a todos – espectadores e personagens – a aceitar a história mais fantástica em detrimento da versão mais plausível, a mais cruel e sem final feliz, levando-nos à interessante sugestão de que aquilo tudo não passou de lenda!