LINCOLN
Nota do Site: 2/ 5
Logo no início de Lincoln, vemos soldados da União – em sua maioria escravos – lutando com soldados confederados em uma poça de lama numa cena que simbolicamente nos apresenta ao tema deste novo filme de Steven Spielberg, cujo foco centra-se no mítico presidente Abraham Lincoln e seus esforços para a aprovação da 13ª emenda constitucional, que poria termo à escravidão, num contexto onde o mais prudente seria a busca pela paz e o término da Guerra de Secessão, cujas tropas confederadas, escravocrata, dependiam da não-aprovação da emenda, apoiando-se, assim, nos deputados democratas que desaprovavam a proposta usando como argumento a “não-igualdade racial” dos negros perante os brancos e também a necessidade de se discutir primeiro o fim da Guerra Civil.
Mas voltemos à cena inicial. Ao mostrar os dois lados lutando na lama, Spielberg utiliza-se de um simbolismo óbvio ao nos sugerir que, no final das contas, a guerra só produz sujeira, independente do que está em jogo ou não. E se você acha esse argumento simplório, é porque a cena em questão não suscita especulações mais complexas. Entretanto, Lincoln ganha força toda vez que se presta aos debates parlamentares em si; nos esforços (lícitos ou não) dos colaboradores do presidente a fim de angariar votos dos democratas; na ótima reconstituição histórica que o filme faz e na belíssima composição de Daniel Day-Lewis.
Surgindo inicialmente de costas e mergulhado numa intensa penumbra (imagem recorrente em todo o filme), Day-Lewis estabelece a personalidade de seu protagonista ao mostrar-se como um sujeito encurvado e de movimentos lentos, em contraste com uma entonação de voz que lhe permite, como orador, prender a atenção de todos ao redor assim que começa a falar ou discursar. Não é a toa que, em momentos tensos em que seus colaborados lhe cobram ações mais enérgicas, estes indivíduos emudecem assim que o presidente abre a boca.
Mas, mesmo acertando nestes momentos, é difícil não notar que o roteirista Tony Kushner, ao criar os diálogos de Abraham Lincoln, raramente permite que seu personagem fale, tão somente, optando ao invés disso pelo tom discursivo na maioria das vezes, mesmo em momentos como aquele onde Lincoln discute com sua esposa por causa de uma decisão do filho deles, fazendo com que a discussão soe apenas como um debate. Além disso, Sally Field, como Moly Lincoln, mostra-se inconstante na maioria do tempo: se na primeira cena ela surge conselheira, na outra está histérica e egoísta, só para voltar em seguida a uma postura polida e diplomática, ficando difícil nos importarmos com ela.
Outro ponto é o excesso de personagens que povoam a tela e que na maioria do tempo sequer tem seus nomes revelados, tendo importância apenas secundária. Entretanto, figuras como David Strathairn, Hal Holbrook e Tommy Lee Jones destacam-se em seus respectivos papéis, este último em particular, como o chefe do Partido Republicano, assumindo o papel de principal articulador daquele processo.
Mas se o processo de articulação para a aprovação da 13a emenda é a melhor coisa do filme, há de se salientar que alguns minutos a mais, mostrando o Partido Democrata agindo e se articulando fora da Câmara poderia ter acrescentado e muito ao filme, colaborando diretamente contra a imagem maniqueísta que o roteiro de Kushner acaba fazendo deles, mesmo que involuntariamente.
Quanto à parte técnica, salienta-se o ótimo trabalho de Jamusz Kaminski que cria uma paleta de cores que vai do cinza dos campos de batalha, passando pelas cores quentes que dominam a Câmara e às cores escuras e carregadas de penumbra da Casa Branca, este último uma estratégia visual que, mesmo óbvia em sua profetização a respeito do futuro do presidente, serve para salientar o peso que todo aquele contexto histórico e político têm sobre Lincoln. Além disso, a reconstituição cênica do filme merece aplausos pela verossimilhança que confere aos espaços, mergulhando o espectador na história. Quanto à trilha sonora de John Williams, mestre em compor temas icônicos, limita-se a criar temas que soam melodramáticas e forçosamente épicas, numa narrativa onde um tema mais sóbrio e diegético talvez pudesse ser a opção mais acertada.
Quanto à direção de Steven Spielberg, entre a tentação de “glorificar” o mito e a necessidade de “dissecar” o político, o diretor optou por um meio-termo que só funciona – repito – graças à imersão aos bastidores políticos vista ali e pela força dramática de Day-Lewis. Contudo, Spielberg ainda tenta, aqui e ali, “glorificar” seu protagonista enquadrando-o constantemente de perfil e mostrando-o sentado numa postura que remete imediatamente à imagem icônica de sua estátua, como se Spielberg não conseguisse se livrar do ícone.
E por último o discurso final, precedido pela imagem do protagonista numa chama de vela após sua morte, uma tentativa maniqueísta para levar o espectador às lágrimas, num filme em que o conteúdo político e histórico exigia um tratamento mais objetivo e racional, ao invés do melodrama piegas com que o diretor nos tentou “brindar”. Por sorte, o filme como cinebiografia política sobrevive a isso tudo, mas como melodrama intimista, deveria ter ficado na primeira cena.
Surgindo inicialmente de costas e mergulhado numa intensa penumbra (imagem recorrente em todo o filme), Day-Lewis estabelece a personalidade de seu protagonista ao mostrar-se como um sujeito encurvado e de movimentos lentos, em contraste com uma entonação de voz que lhe permite, como orador, prender a atenção de todos ao redor assim que começa a falar ou discursar. Não é a toa que, em momentos tensos em que seus colaborados lhe cobram ações mais enérgicas, estes indivíduos emudecem assim que o presidente abre a boca.
Mas, mesmo acertando nestes momentos, é difícil não notar que o roteirista Tony Kushner, ao criar os diálogos de Abraham Lincoln, raramente permite que seu personagem fale, tão somente, optando ao invés disso pelo tom discursivo na maioria das vezes, mesmo em momentos como aquele onde Lincoln discute com sua esposa por causa de uma decisão do filho deles, fazendo com que a discussão soe apenas como um debate. Além disso, Sally Field, como Moly Lincoln, mostra-se inconstante na maioria do tempo: se na primeira cena ela surge conselheira, na outra está histérica e egoísta, só para voltar em seguida a uma postura polida e diplomática, ficando difícil nos importarmos com ela.
Outro ponto é o excesso de personagens que povoam a tela e que na maioria do tempo sequer tem seus nomes revelados, tendo importância apenas secundária. Entretanto, figuras como David Strathairn, Hal Holbrook e Tommy Lee Jones destacam-se em seus respectivos papéis, este último em particular, como o chefe do Partido Republicano, assumindo o papel de principal articulador daquele processo.
Mas se o processo de articulação para a aprovação da 13a emenda é a melhor coisa do filme, há de se salientar que alguns minutos a mais, mostrando o Partido Democrata agindo e se articulando fora da Câmara poderia ter acrescentado e muito ao filme, colaborando diretamente contra a imagem maniqueísta que o roteiro de Kushner acaba fazendo deles, mesmo que involuntariamente.
Quanto à parte técnica, salienta-se o ótimo trabalho de Jamusz Kaminski que cria uma paleta de cores que vai do cinza dos campos de batalha, passando pelas cores quentes que dominam a Câmara e às cores escuras e carregadas de penumbra da Casa Branca, este último uma estratégia visual que, mesmo óbvia em sua profetização a respeito do futuro do presidente, serve para salientar o peso que todo aquele contexto histórico e político têm sobre Lincoln. Além disso, a reconstituição cênica do filme merece aplausos pela verossimilhança que confere aos espaços, mergulhando o espectador na história. Quanto à trilha sonora de John Williams, mestre em compor temas icônicos, limita-se a criar temas que soam melodramáticas e forçosamente épicas, numa narrativa onde um tema mais sóbrio e diegético talvez pudesse ser a opção mais acertada.
Quanto à direção de Steven Spielberg, entre a tentação de “glorificar” o mito e a necessidade de “dissecar” o político, o diretor optou por um meio-termo que só funciona – repito – graças à imersão aos bastidores políticos vista ali e pela força dramática de Day-Lewis. Contudo, Spielberg ainda tenta, aqui e ali, “glorificar” seu protagonista enquadrando-o constantemente de perfil e mostrando-o sentado numa postura que remete imediatamente à imagem icônica de sua estátua, como se Spielberg não conseguisse se livrar do ícone.
E por último o discurso final, precedido pela imagem do protagonista numa chama de vela após sua morte, uma tentativa maniqueísta para levar o espectador às lágrimas, num filme em que o conteúdo político e histórico exigia um tratamento mais objetivo e racional, ao invés do melodrama piegas com que o diretor nos tentou “brindar”. Por sorte, o filme como cinebiografia política sobrevive a isso tudo, mas como melodrama intimista, deveria ter ficado na primeira cena.