CIDADE DOS ANJOS


     Nota do Site: 4/ 5

 
     A pouco menos de dois anos escrevi uma resenha sobre um filme que, girando em torno de dois anjos, nos contava a história da paixão de um deles por uma mortal, levando-o a optar pela mortalidade com o intuito de viver plenamente este sentimento, experimentando ainda neste processo, as sensações e emoções vivenciadas pelos seres humanos. Esse filme em questão diz respeito à Asas do Desejo, de 1987, cuja abordagem profundamente filosófica transformou-o numa rica e sensível obra-prima do cinema alemão. Dito isso, é com extrema satisfação que o seu remake hollywoodiano, Cidade dos Anjos, tenha se saído tão bem em sua abordagem, estabelecendo uma “marca” própria ao conceber uma narrativa sensível e particularmente tocante.

     Dirigido por Brad Silberling, o filme traz a mesmíssima sinopse do longa original, com a diferença de que, ao invés de trazer uma trapezista como protagonista agora contamos com a dedicada cirurgiã Maggie Rice (Meg Ryan) cujos esforços em salvar vidas intrigam o anjo Seth (Nicolas Cage) que não compreende o porquê de tanto empenho, já que para ele a imortalidade é algo natural, se esquecendo, no entanto que para os humanos isso é um intransponível mistério. No entanto, neste caso, o roteiro de Dana Stevens acerta em cheio ao estabelecer esta pertinácia como ponto de partida fundamental para a origem do interesse de Seth por Maggie, gerando uma admiração que vai pouco a pouco crescendo até se transformar em paixão. Uma paixão que, assim como acontecia no original, vai transformando a curiosidade de Seth numa irremediável vontade em tornar-se humano.

   Assim, baseando seu argumento a partir dessa premissa, Silberling constrói sua narrativa a partir da curiosidade sensorial que tanto instiga Seth e o impede de desfrutar do amor de Maggie bem como das outras experiências humanas, como tocar, beijar, sentir sabor, etc. Neste sentido, mesmo reduzindo sua abordagem à essa única perspectiva, Brad Silberling se sai bem sobretudo por nos brindar com uma história que em nenhum momento reduz seu argumento à diálogos rasteiros e/ ou superficiais, ao contrário, cada momento em que Seth e Maggie conversam sobre a vida e a morte, por exemplo, é de uma sensibilidade ímpar e que em nenhum momento subestima o espectador, o que é admirável. Por outro lado, é difícil não lembrarmos que, a título de comparação, o argumento de Asas do Desejo era tão mais complexo em sua abordagem justamente porque a paixão do anjo pela protagonista era só um entre vários outros subtemas, cada um mais complexo que o outro. Mas lembremos também que aquele filme em questão era produto de um contexto histórico alemão particularmente intenso, o da queda do muro de Berlim, então, sejamos menos exigentes neste sentido com Cidade dos Anjos

   E mesmo se tratando de um remake com tantas diferenças de abordagens, Cidade dos Anjos guarda os mesmíssimos detalhes de seu original, tais como: a vestimenta dos anjos; seus semblantes plácidos e serenos; suas conversas entre si mantidas no alto de construções e arranha-céus; a biblioteca como moradia; a capacidade de ler o pensamento dos humanos, além do dom de tocá-los em momentos de busca por reconforto espiritual; a incapacidade de experimentar ou compreender sensações e emoções humanas; a possibilidade de se tornar homem através da “queda” além, é claro, do interesse do anjo pela mortal e conseqüente mortalidade.

    Trazendo em seu elenco um Nicolas Cage num de seus melhores trabalhos (o que para as novas gerações é praticamente inconcebível, depois de tantos “filmes escrotos” protagonizados por ele), o ator concebe Seth como um sujeito contido mas repleto de autoridade, passando reconforto àqueles com quem interage ou apenas ouve. Além disso, seu semblante sereno ajudam a evocar sua “aura celestial”, nos convencendo que aquele sujeito é alguém capaz de trazer conforto com suas palavras e gestos, o que é fundamental para sua aproximação junto à Maggie que, vivendo um momento particularmente difícil de sua vida (ela acabara de perder um paciente), começa a se questionar sobre si e suas convicções, encontrando em Seth uma paz que ela não encontra, por exemplo, junto ao seu namorado Jordan (aliás, o personagem de Colm Feore mostra-se, no final das contas, um sujeito dispensável, podendo ter sido integralmente cortado da montagem final sem prejuízo à trama).

     Estabelecendo uma química perfeita, Nicolas Cage e Meg Ryan dão sabor ao filme sempre que contracenam juntos. E mesmo que não dialoguem diretamente em alguns momentos, os atores são carismáticos o suficiente para acrescentarem um ritmo perfeito ao filme. E se atores como Andre Braugher e Dennis Franz (o paciente Nathaniel Messinger) também se saem bem em suas poucas cenas, Cidade dos Anjos ainda nos brinda com algumas cenas tão evocativas que chegam a emocionar, como o momento em que Seth leva Nathan para ver o pôr-do-sol ou o momento da “queda” de Seth e, é claro, o belíssimo e agridoce plano final na praia.
 
     Com uma trilha sonora belíssima, com destaque para as músicas-tema Angel e Iris, Cidade dos Anjos é um daqueles remakes que fazem jus à obra original sem empalidecer diante daquela. E mesmo que possamos torcer o nariz para os acontecimentos do terceiro ato (eu particularmente levei muito tempo para aceitá-los), o que fica é a experiência fundamentalmente humana de um protagonista fascinante interpretado por um ator numa época em que ele ainda conseguia nos emocionar e não apenas chorar de raiva, com as bostas que vem constantemente fazendo ultimamente. Pois é Nicolas Cage, estou apontando pra você!
Khemerson Macedo
Enviado por Khemerson Macedo em 21/02/2014
Reeditado em 03/03/2014
Código do texto: T4700665
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