TOY STORY 3
Nota do Site: 5/ 5
Atenção: contém spoilers!
Toy Story 3 é um filme formidável. Aliás, com este último exemplar, ouso dizer que é mais uma trilogia inesquecível do cinema. Essa afirmação pode parecer exagerada, mas o fato é que esta criação de John Lasseter é tão complexa em seu universo que torna difícil para aqueles que o resenham não se envolverem emocionalmente. É um filme que nos inspira divagações longas, comprovando de forma definitiva a eficiência temática e técnica da Pixar, uma empresa que alcançou a excelência dentro da indústria do entretenimento desenvolvendo tramas que divertem as crianças ao mesmo tempo em que emocionam os adultos, tornando a experiência cinéfila um deleite para toda a família.
Quando Toy Story 3 tem início, somos apresentados aos nossos ‘amigos’ em uma sequência de ação que logo revela-se fruto da imaginação de Andy, o jovem dono dos brinquedos. Em seguida, testemunhamos o crescimento de Andy a partir de imagens de vídeos caseiros, até o momento em que reencontramos os brinquedos amontoados num baú velho e estes, por sua vez, estão traçando estratégias para que Andy, agora um adolescente prestes a ir pra faculdade, possa encontrá-los e, quem sabe, brincar com eles uma última vez. Mais eficaz impossível.
Indo para a faculdade, Andy precisa decidir o que fazer com seus velhos brinquedos: doá-los, jogá-los no lixo ou guardá-los no sótão. Contudo, um imprevisto acontece e todos os brinquedos vão parar na creche Sunnyside, onde os protagonistas conhecem novos personagens e, posteriormente, passam a enfrentar uma série de obstáculos perpetrados pelo vilão, o ursinho de pelúcia Lotso e o seu segundo-em-comando, o boneco Bebezão. Começa aí uma corrida contra o tempo para que Woody consiga tirar seus amigos dali e voltar à casa de seu dono para que estes possam ser recolhidos ao sótão que, àquela altura, parece ser a melhor opção para aqueles brinquedos.
Toy Story 3 é melancólico e divertido ao mesmo tempo. Enquanto acompanhamos os personagens em novas e hilárias situações, compreendemos também as implicações daquele novo contexto para aqueles brinquedos. Criados para divertir, os toys não conseguem lidar com algo que para Andy é inevitável: o crescimento. E esse filme nos ensina que crescer não é nada fácil, algo ilustrado na hesitação de Andy ao ter que se decidir sobre o destino de seus brinquedos. Afinal de contas, brincar implica exercitar a imaginação e a criatividade, e os brinquedos são, para uma criança, um escapismo importante, no que se refere a lidar com o mundo, em construir um mundo imaginário que as ajude em seu crescimento e amadurecimento. E Andy compreende isso.
Uma das “regras” da trilogia e que sempre se mostraram acertadas reside no fato de que os brinquedos só se tornam animados na ausência dos humanos. Compreendendo esta regra, adivinhamos exatamente o que os brinquedos sentem quando alguma criança começa a brincar com eles. E conhecendo a história de cada um daqueles personagens, podemos antecipar o desespero dos brinquedos ao terem que lidar com um bando de crianças endiabradas do jardim de infância, fase em que a brincadeira reside em desmontar, sujar ou socar os brinquedos. E quando Woody é pego pela personagem Bonnie e esta passa a brincar com ele, da mesma forma com que Andy brincara um dia, adivinhamos exatamente o que aquilo está representando para o personagem, num momento tocante e sutil do longa, conduzido por uma primorosa câmera lenta salientando ainda mais aquele importante momento.
E não para por aí. Aproveitando-se da história que tem em mãos, o roteirista Michael Arndt (do igualmente inesquecível Pequena Miss Sunshine), a partir de argumento concebido por John Lasseter, Andrew Stanton e do diretor Lee Unkrick, apresentam novos personagens que se destacam sem parecerem deslocados próximos ao grupo principal, com destaque para Barbie e Ken, que protagonizam as sequências mais hilárias de todo o projeto (vale lembrar que Barbie já tinha feito uma ‘ponta’ no filme anterior e, aqui, ela já aparece ‘abandonada’ por sua dona, a irmã de Andy, num respeito à história de fazer corar outras seqüências hollywoodianas. Quanto a Ken, destaque para toda a sua afetação, satirizada de forma mordaz por um Buzz, numa versão espanhol impagável: “Valeu, metrossexual de plástico”! E também não podemos esquecer o restante da ‘equipe’: o porquinho e o seu cinismo impagável, a covardia do dinossauro, a intempestividade de Jessie e o caráter dócil e fiel de Bala na Agulha, sem esquecermos do trio de etezinhos adotados pelo ‘casal’ Sr. e Sra. Cabeça-de-Batata.
Desta forma, Toy Story 3 segue à risca a historia que já tinha ficado mais clara no exemplar anterior, e ilustrado de forma inesquecível pelo tocante flashback de Jessie, quando esta foi deixada de lado por sua dona (numa cena que até hoje é lembrada pelos fãs da trilogia, quando a boneca, após cair da cama onde estava com a dona, repara, por baixo do móvel, a dona pintando as unhas com outras colegas, denunciando, naquele momento, suas novas prioridades, uma sequência impecável por sua economia narrativa e tom melancólico apropriado). Neste novo filme, os realizadores optam pelo inevitável: Andy cresceu e precisa seguir com sua vida, ao passo que os brinquedos vivem um dilema existencial: feitos para divertir, o que fazer quando sua função simplesmente não tem mais espaço na vida do dono? Uma situação extrema que levará os personagens (e também os telespectadores) a mergulhar numa montanha-russa emocional onde a separação definitiva será inevitável.
E falando em separação, eis que chegamos àquele momento pelo qual o filme será lembrada eternamente pelos fãs: seu terceiro ato. Após conseguirem fugir da creche Sunnyside com sucesso (ajudados por um plano rebuscado de Woody, Barbie, Jessie e Cia.), e interceptados por Lotso e Bebezão no ultimo momento, o grupo de amigos acaba parando numa lixeira junto ao vilão de pelúcia, e, numa cena passada dentro de um incinerador, Arndt testará de todas as formas os escrúpulos do espectador em situações tensas e perigosas, com pouco espaço para heroísmos e jogadas de sorte. E quando todas essas situações parecem já ser o suficiente, eis o golpe de sorte: percebendo que dificilmente sairão ilesos daquela situação, os brinquedos, sem esperança aparente, dão-se as mãos e aceitam seu destino, numa atitude estóica que simplesmente “devasta” o espectador que, por quinze anos, acompanhou e passou a amar esses personagens e agora está completamente paralisado com o que vê. E esta dolorosa cena, estendida até os limites da nossa percepção, nos leva à lágrimas involuntárias simplesmente por estarmos suficientemente ligados aos destinos daqueles brinquedos.
E quando nossa angústia é substituída pela salvação catártica proporcionado pela “garra” (só vendo o filme pra entender este curioso Deus Ex Machina!), este momento logo é descartado quando finalmente nos dirigimos para o final do filme, no exato momento em que Andy, de posse dos brinquedos, dirige-se à casa da pequenina Bonnie a fim de deixar com ela seus brinquedos, dando ao filme um clima que, variando entre o melancólico e o agridoce, fecha a trilogia com chave-de-ouro ao ressaltar a verdadeira vocação daqueles brinquedos. E em contrapartida, ilustra com perfeição o caráter bondoso de Andy que, nada mais é do que um garoto na difícil fase de transição de sua vida – e a sua involuntária insistência em ficar com Woody ressalta ainda mais esta difícil decisão. E vê-lo partir dá uma inevitável sensação de finitude, um rito de passagem que cumpriu seu propósito e deixou pra trás belos e inestimáveis frutos.