UM SONHO DE LIBERDADE
Nota do Site: 5/ 5
Obs.: Atenção! Este texto contém spoilers!
Um Sonho de Liberdade é sobre uma amizade sincera entre dois indivíduos. É sobre a possibilidade de ‘redenção’ num lugar terrível e impossível. É sobre o cultivo da esperança em condições adversas e absurdas. É um filme sobre vários temas, que se interrelacionam e criam uma forte sensação de otimismo tendo como pano de fundo o pior dos lugares. Escrito pelo próprio diretor Frank Darabont a partir do conto de Stephen King (Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank), o roteiro conta a história do jovem banqueiro Andy Dufresne (Tim Robbins) que, acusado do assassinato de sua esposa e do amante dela, acaba indo parar na temível prisão de Shawshank, onde acaba conhecendo também Red (Morgan Freeman), com quem acaba estabelecendo uma forte ligação.
Concebendo um filme sensível mesmo tendo a prisão e toda a sua crueldade subjacente como pano de fundo, Shawshank Redemption como o próprio título original sugere, busca contar uma história de redenção num lugar onde a esperança para tal há tempos já deixou de existir para muitos deles. Encarando cada personagem secundário como sujeitos desesperançados com o seu futuro e pragmáticos na forma de lidarem com o seu cotidiano, Frank Darabont e, obviamente, Stephen King, demonstram imensa sensibilidade ao conceber tais personagens através de seus comportamentos e da forma como eles se relacionam entre si, enquanto conversam trivialidades em seus respectivos grupos. Assim, sabemos tudo o que temos que saber sobre cada um deles bastando apenas que leiamos nas entrelinhas de cada conversa que eles mantêm.
Neste sentido o filme não precisa gastar longos flashbacks para nos informar, por exemplo, como Red chegou àquela prisão, já que intuímos a partir do que o próprio personagem nos diz que seus motivos foram similares ao de Andy. Ou mesmo Brooks (James Whitmore) e Tommy (Gil Bellows), cuja simpatia e carisma são suficientes para que saibamos que tipo de indivíduos eles são, sendo isso suficiente para que nos importemos com os seus destinos. Além disso, Darabont é hábil também ao nos lembrar que mesmo aqueles indivíduos podem ser bastante ambíguos. Assim, se um sujeito como Heywood (William Sadler) pode, por exemplo, provocar um prisioneiro afim de ganhar uma aposta, ele pode aparecer, instantes depois, surgir com um sutil semblante de culpa ao ouvir sobre o “destino” do prisioneiro deste personagem ao qual provocara.
Mas o grande personagem de Um Sonho de Liberdade é mesmo Andy Dufresne. Concebido por Tim Robbins como um indivíduo calado e que esconde uma surpreendente inteligência e perspicácia por baixo de seu “manto” de timidez e polidez, o sujeito é o típico herói mítico, do tipo que chega num lugar, o muda substancialmente e parte, deixando todos pra trás. Aliás, a forma como Frank Darabont conduz a trajetória de Dufresne durante a narrativa é digna de aplausos, pois mesmo suspeitando aqui e ali das reais intenções do sujeito, podemos ser pegos de surpresa quando seu “plano” finalmente é revelado, dado sua meticulosidade, revelada apropriadamente no momento do clímax, mesmo que insinuada sutilmente, por exemplo, no instante em que Andy oferece O Conde de Monte Cristo à Heywood (ops! Spoiler?).
Enquanto à Red, Morgan Freeman concebe um daqueles personagens que somente ele é capaz de fazer. Dono de uma forma particular de interpretação, cuja simplicidade e naturalidade dão certo toque de verossimilhança, Freeman faz aqui um daqueles coadjuvantes que, em se tratando da parceria King–Darabont, é tão importante quanto o próprio protagonista. Aliás, sendo Red o próprio narrador, Morgan surge como um exímio condutor da narrativa, “conectando” todos os pontos da trama sem que para isso deixe de explicitar a nós seu próprio arco dramático, perfeitamente resumido, diga-se de passagem, nas três seqüências onde ele é entrevistado no Comitê da Condicional, testemunhando três momentos distintos de sua vida e conseqüentemente de sua perspectiva quanto ao futuro.
É a partir de Red, por exemplo, que somos apresentados ao conceito de homem institucionalizado que explica como sujeitos que passaram a vida toda na cadeia simplesmente não conseguem se adaptar à liberdade e que é tão bem resumido na frase “Esforce-se para viver ou esforce-se para morrer”, aplicado tão dramaticamente ao caso de Brooks.
Usando uma paleta de cores simples, com predominância do cinza e de cores mais frias a fim de estabelecer o ambiente sufocante de Shawshank, o mestre Roger Deakins só muda de abordagem nos momentos em que os personagens encontram-se ao ar livre ou em lugares que sugerem certa amenidade. Mesmo assim, Deakins evita iluminar excessivamente tais ambientes, dessaturando levemente seus quadros, nestes momentos. Em relação à montagem, Richard Francis-Bruce merece créditos por estabelecer com eficiência o tempo cinematográfico do filme, cobrindo um espaço de quase 20 anos sem soar episódico, optando ao invés disso, pelo uso de elipses elegantes e de cenas que também ajudam a pontuar o tempo decorrido (as três cenas de Red no Comitê da Condicional é um bom exemplo), desenvolvendo a narrativa num time adequado e sem prejuízo aos fatos narrados.
Uma sensação que certamente é a principal responsável pelo forte sentimento de otimismo que perpassa o filme todo; talvez seja por isso, por essa montagem bem-sucedida e pelo roteiro bem-estruturado, que Um Sonho de Liberdade transcende a sua própria história, sai do ecrã e passa a habitar o imaginário coletivo como um símbolo de redenção e esperança. Assim, ao falar de temas tão universais, percebe-se que a recepção de cada um acaba sendo guiada pela epifania que cada espectador sente ao ver o filme. Por isso o filme “toca” tanto o seu público; É um filme que, quando assistido, é recepcionado de forma muito particular pelas pessoas, daí a enorme aura em torno de si. Sua cotação no IMDB (Internet Movie Data Base), por exemplo, oscila entre os três primeiros a um bom tempo. É por isso que o filme inspira tantos comentários elogiosos sobre si, além de inspirar resenhas tão apaixonadas e exageradas como esta!