“Os últimos passos de um homem”(Dead Man Walking)

“Os últimos passos de um homem”(Dead Man Walking)






Tem uma artimanha de direção, digamos assim, que funciona muito bem e serve como uma permanente pontuação. Volta e meia, isso desde a primeira cena, vemos Susan Sarandon ao volante, parte das vezes com um semblante muito sereno, a câmera capta também os reflexos da paisagem ao redor e o filme vai se desenvolvendo para seus vários lados, sempre com a serena Susan e as árvores.

Susan faz a verídica e ainda viva Irmã Helen Prejean, freira católica da ordem de São José, nascida nos USA em 1939.

Pra começo de conversa, Dead Man Walking integra a nova lista de “clássicos” (se essa lista não se renova ficamos todos para sempre atados ao atol de Casablanca...), tendo sido rodado em 1995 pelas mãos do competente mix de ator-roteirista-diretor Tim Robbins, então casado com a Susan e que viria a levar, anos mais tarde, um “Melhor Ator Coadjuvante” pelo seu papel em Mystic River, de Clint Eastwood (“Sobre Meninos e Lobos”).

Tim também se renovou...

Em todo caso, na entrega do Oscar 1996, Dead Man... venceu na categoria de melhor atriz - Susan Sarandon - e foi indicado nas categorias de melhor diretor e melhor ator - Sean Penn.

Assim, podemos checar quase que de imediato que credenciais não faltam.

No filme, Irmã Helen recebe um telefonema para prestar auxílio a um residente do Corredor da Morte, já com os dias contadinhos. Esse irmão é Sean Penn.

Na vida real, a verdadeira Irmã Helen, nos anos 80, travou contato com vários condenados e se dispôs a ser guia espiritual de cada um deles. O acúmulo dessa experiência tomou a forma de um livro intitulado “Dead Man Walking”.

No filme, Irmã Helen conhece apenas um condenado – Sean Penn, que jura de pés juntos que jamais teria cometido tal infâmia: estupro e assassinato com requintes de um casal de jovens.

Enquanto entretenimento, e assim enquanto protagonistas, Susan Sarandon e Sean Penn são desses acertos históricos. Ela, a bem nascida Helen Prejean, em paz com a vida, trabalhadora numa comunidade carente, que diz que a relação sexual não é a única forma de se ter intimidade com outro ser humano e que isso pode ser conseguido através do compartilhar de pensamentos, sentimento e experiências. Ele, infelizmente o estereótipo tem precisão mecânica, o típico White Trash, bêbado, violento, arrogante, ignorante, a grande experiência com seu pai foi um porre de uísque aos 12 anos, e assim foi a vida, até que, sem saber bem o motivo, na madrugada de 15 de junho de 1988 estava na companhia de outro meliante e as coisas fugiram ao controle por conta de umas e outras. O outro meliante pegou perpétua, e ele, no Corredor da Morte, tem agonizado nos últimos 6 anos, num redemoinho de petições e apelações.

Esse, basicamente, é o cenário principal e a dupla Sarandon & Penn atua com lisura invejável nesta aula de abertura de consciência que visa, a princípio, fazer valer a rima de Veloso: o mal é bom e o bem cruel. Isso terá aí uma certa duração, todavia no reino da dualidade nada é o que parece.

Na vida real a Irmã Helen se tornou ativista, culminando no encargo de presidente da Coalizão Nacional para a Abolição da Pena de Morte, denunciando o governo de George W. Bush, tido como o que mais executou na história do Texas.

No filme, o véu da inocência da personagem de Sarandon é rasgado a cada xis minutos, seja pelo julgamento injusto de Sean Penn, seja pela dor e indignação dos familiares das vítimas.

Trabalho de arte de qualidade, mesmo datado, conserva o sabor.

Nos três últimos dias de vida do suposto assassino Sean Penn, irmã Prejean indaga se ele tem lido a bíblia, em especial trechos referentes a Jesus. Penn retruca que não é de dar a outra face e a irmã esclarece ser necessária tremenda força para fazer isso. Penn diz que ele (Jesus) não foi um rebelde e irmã Prejean argumenta que ele não apenas foi um rebelde, mas um rebelde muito perigoso.

- Por que seria perigoso amar o próximo? – questiona o detento.

- Porque o amor dele mudou as coisas – esclarece a missionária – todas as pessoas pra quem ninguém ligava: as prostitutas, os mendigos, os pobres, finalmente tinham alguém que os respeitava e amava, que os fez notar o seu valor, a sua dignidade.

Que se diga de “Os últimos passos...”, além de extensa gama de coadjuvantes animando o espetáculo, sua estrutura, ambientação e trama ajudam a aliviar um tanto o lado denso do espectro criminal e decorrentes implicações. Pelo menos até onde é possível.

Por um bom tempo o filme paira com equilibrada dinâmica noutros momentos, Tim Robbins tem artimanhas muito eficazes na cartola reafirmando que nem tudo são lágrimas neste vale. Aliás, o termo certo não seria lágrimas e sim conseqüências.

Certos ingredientes da realidade de 2014, tão distante de 1995, estimulam uma reflexão pouco salutar no que tange ao personagem vivido por Sean Penn. Nosso mundo está infestado de tipos como ele e as conseqüências de seus atos espalham uma dor terrível, direta e indiretamente. Entretanto, o cerne do filme não perdeu a data, pois é atemporal. Trata-se da capacidade do ser humano de parar de prognosticar sobre o externo, seja este a vida alheia, o céu e a terra, as condições gerais para, acima de tudo, cuidar da própria, nos seus mais íntimos e doloridos detalhes.

 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 13/02/2014
Reeditado em 29/04/2021
Código do texto: T4689377
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