O Mundo de Jack e Rose
“Você não é má. Você é inocente. Pessoas inocentes são perigosas, creio eu.” Está aí uma grande verdade! Pessoas inocentes são como vasos onde se pode guardar açúcar... ou veneno. Mas, também é verdade que permanecer aceitando o conteúdo vai da escolha de cada um. “O Mundo de Jack e Rose” pode ser entendido de várias formas, mas, em essência, é a história de uma adolescente que começa a descobrir que existe um mundo diferente de seu universo pessoal. Também é a história de seu pai, um adulto idealista que se vê confrontado pelas mudanças.
Jack Slavin (Daniel Day-Lewis) é um engenheiro que na década de 60 resolveu participar de uma comunidade alternativa. O "poder das flores" estava no auge e ele, junto a outros idealistas e sonhadores, instalou-se em uma ilha da costa oeste norte-americana. O tempo passou, a comunidade foi se esvaziando, mas Jack permaneceu na ilha, cultivando seus ideais de viver em liberdade e harmonia com a natureza. Ele tem uma filha, Rose (Camilla Belle), uma garota de 16 anos, que foi criada por ele, na ilha, com muito pouco contato com o mundo exterior.
Enfrentando uma grave doença, Jack percebe que Rose não é mais uma criança e que precisa prepará-la para viver sem ele. Para que a filha tenha um ambiente familiar, resolver levar uma namorada ocasional, Kathleen (Catherine Keener), e seus dois filhos adolescente, Rodney (Ryan MacDonald) e Thaddius (Paul Dano), para morar com eles. Quando os novos moradores chegam, Rose sente seu mundo invadido, encontra estranhos na sua casa, uma mulher desconhecida partilhando a vida do pai, que até então só tinha a ela, e se sente traída. É então que o caos se instala.
Como forma de agredir o pai, Rose arrisca suas primeiras investidas sexuais, primeiro tentando se aproximar do jardineiro, Gray (Jason Lee), que periodicamente entrega flores na ilha. Não sendo bem sucedida, Rose se aproxima dos filhos de Kathleen. Como se não bastasse, a mocinha leva uma cobra para dentro de casa e o animal assusta a namorada do pai. É óbvio que aquela tentativa de criar uma família se torna bastante turbulenta, como também é fácil de imaginar que alí há propensão para uma relação incestuosa entre pai e filha. Esta uma situação que Jack tenta evitar ao levar a namorada e os filhos dela para casa, mas que Rose não deixa de incentivar, o que não é tão estranho já que ela foi criada na ideologia do amor livre pregada pelos hippies dos anos 60.
Aí fica escancarado o conflito natural entre pai e filha. Ambos são dependentes um do outro, pois de mantiveram à distância do resto do mundo, compartilhando um universo só deles, e se vêem diante das barreira que a sociedade impõe. Eles podem compartilhar um espaço, sonhos e expectativas, espiritualidade e esperança, mas não corpos. Jack assim o entende e aceita, pois ele teve mais convívio social, mas não acontece o mesmo com a filha. Também fica patente a dificuldade de comunicação entre os dois. Jack fica intimidado a falar abertamente com Rose sobre os motivos e expectativas que o fazem tentar ter uma família e a filha interpreta seus atos como uma traição.
Está aí uma história muito forte, que além do conflito humano toca em temas caros ao mundo atual, a noção de ecologia, de sustentabilidade ambiental, a busca por formas de vida alternativa e mais harmoniosas. Porém, o ótimo argumento fica perdido em meio ao resultado geral que soa estranho, esquisito mesmo. Depois de muito me perguntar o porque da sensação de estranheza, cheguei à conclusão que muito se deve à trilha sonora.
O filme começa com I Put a Spell on You do Creedence Clearwater Revival e conta também com canções de Bob Dylan. As primeiras cenas têm um clima de encantamento e sonho que funciona muito bem, mas que não se mantém e também não é substituído por qualquer outro. O problema é que a música, que trás uma sonoridade ideal para evocar o clima geral dos anos 60 e do movimento hippie e que cai bem para evocar a ideologia que cerca a vida de Jack e Rose, não se ajusta à caracterizar a relação entre o estado emocional dos personagens e os momentos que as cenas retratam, ou seja, não favorece o aprofundamento emocional dos personagens. Assim, fica tudo muito frio, muito superficial.
Daniel Day-Lewies se esforça, oferece uma ótima interpretação mas que cai no vazio, pois não há clima e, para piorar, os diálogos entre Jack e Rose talvez fossem mais significativos se Daniel contracenasse com as parede do que com Camilla Belle. Ela lembra Jennifer Conelly em “Labirinto”, os longos cabelos, a forma de se vestir (as batas hippies), o ar de menina inocente que está começando a ser mulher, mas sem um milésimo do carisma ou expressividade de Connely naquele filme. Por outro lado, Jena Malone que faz um papel pequeno como Red Berry (uma amiga de Rodney), se saiu muito bem com sua personagem maluquinha, divertida e simpática!
Principalmente pela trilha deficiente, pela má interpretação de Camilla (se é que se pode chamar de interpretação) e pela superficialidade dos personagens que este, que poderia ser um filme brilhante, a contar pelo argumento e história maravilhosa, não chega a ser um grande filme. De positivo, além do argumento, fica a ótima fotografia, feita em locações muito bonitas. Daniel Day-Lewis, que após "Gangues de Nova York" havia anunciando que não mais voltaria a filmar, deixou a aposentadoria de lado para trabalhar com a esposa neste filme (a diretora Rebecca Miller), mas não teve um bom canto do cisne com este A Balada de Jack e Rose, mas não por demérito próprio.
Como curiosidade, vale lembrar que a história tem alguma semelhança com a idéia de M. Night Shyamalan para “A Vila”. Como Rebecca, Shyamalan se dispôs a fazer um filme sobre formas alternativas de vida e suas conseqüências. Ele se saiu bem melhor, mas esse já é outro assunto.
O Mundo de Jack e Rose (Título original: The Ballad of Jack and Rose) / Ano: 2005 / Produção: Estados Unidos / Direção e Roteiro: Rebecca Miller / Gênero: Drama / Elenco: Daniel Day-Lewis (Jack Slavin), Camilla Belle (Rose Slavin), Catherine Keener (Kathleen), Ryan McDonald (Rodney), Paul Dano (Thaddius), Jena Malone (Red Berry), Beau Bridges (Marty Rance) e Jason Lee (Gray) / Duração: 112 minutos.