O diabo veste Prada?
Evelyne Furtado - Cronista
O filme O Diabo Veste Prada, baseado em best seller homônimo, mostra os bastidores de uma revista de moda e seus impulsos espúrios. Meryl Streep, em minha opinião modesta, a melhor atriz viva de Hollywood, é a viga que sustenta o filme. Está lá numa elegância irretocável e sua atuação dá a respeitabilidade ao que poderia ser apenas mais um filminho. Claro que nós, principalmente, as mulheres, somos seduzidas pelo apelo da moda e mais ainda pelas locações em uma Paris estonteante. Porém, vi mais do que isso na película. Miranda, a personagem central do filme, vivida pela magistral Meryl Streep, é a poderosa editora da revista e esconde em figurino chique e gestos finos uma mulher capaz de tudo para conservar o poder. Desrespeita todos a sua volta e apesar do inferno da sua vida pessoal, sustenta-se na ilusão de que tudo é permitido para se manter "onde qualquer pessoa gostaria de estar". Bem, até aqui o diabo é a vaidade, vestindo Prada, Dolce e Gabbana, Versace e outras griffes. Pecado capital usado para reforçar baixa auto-estima dos que precisa de símbolos que os valorizem. Esses são terrivelmente frágeis e ao ostentarem seus troféus expõem suas fraquezas. Toda arrogância traz em seu bojo inseguranças e incertezas, pequenez e pouco amor. É preciso gritar para que sejam ouvidos. É preciso banhar-se em ouro para serem vistos e valorizados. É preciso um carro novo para mostrar eficiência ou força. Mas não nos enganemos, o diabo também veste farrapos e usa uma falsa humildade para afrontar. Usa a ignorância para se sobressair. Usa a miséria para sobreviver. Não falo aqui dos miseráveis que desconhecem algo além da sobrevivência diária; falo dos que usam trapos para seduzir, ofender, iludir. E estes existem, apesar de suas presunções serem menos visíveis. A vaidade é salutar. Gosta de si mesmo, e, portanto, do seu igual, quem cuida de sua aparência, quem gosta de bons pratos, boas roupas, bons vinhos, bons restaurantes, bons carros.
O pecado está nos extremos. Naqueles que só vestem griffes e as transformam em deuses, mas também naqueles que nos afrontam com o desleixo. Padece de vaidade doentia o intelectual que precisa ser reconhecido a qualquer custo e o que se mantém na contramão da mídia, dizendo-se superior por não necessitar de reconhecimento. Ambos são ávidos pelo aplauso; um o busca incessantemente o outro, o desdenha com medo da rejeição. Todos nós usamos seda ou chita para chamarmos atenção para nós mesmos em alguma fase da vida. Somos carentes sim do afago, todavia tenho a impressão que o melhor caminho é aceitação da nossa incompletude, da nossa humanidade que nos faz sedentos da aprovação dos nossos semelhantes. Afinal, é sempre bom lembrar que a "humildade é a verdade", como simplesmente concluiu Santa Tereza D'Ávila.
Publicado na Gazeta do Oeste em 28 de janeiro de 2007 e
No Jornal de Hoje, em 15 de fevereiro de 2007.